El Greco - Vista del Monte Sinaí (1570-72)
Insisto: a sede da mística não é na estratosfera, mas sobre esta "terra dos homens", mesmo se o místico tem a audácia de nela escalar os cumes mais altos. Não sonha em ir para a lua, onde não há atmosfera, mas tenta subrir sobre o Tabor, o Sinai, sobre o Meru, sobre o Kailãsa, sobre o Sumbur (Semeru), sobre o Haraberazaiti (Harbuz), etc.: isto é, os lugares terrestres onde céu e terra se encontram. (Raimon Panikkar, Mystique plénitude de Vie. p. 209)
A vida do espírito não é um acto de cobardia e de fuga ao mundo. Pelo contrário, é o modo de vida onde se exige a maior das atenções à vida na Terra, pois esta é a condição do ser humano. Atenção não significa alienação e estranhamento perante sua própria natureza de ser dotado de espírito. Significa, em primeiro lugar, compreender que também a Terra e as coisas na sua materialidade contêm, para não dizer que são, o espírito. Significa, em segundo lugar, que a vida do espírito se alicerça na materialidade do corpo humano, nos poderes e fragilidades da carne. Significa, em terceiro lugar, que qualquer ascensão espiritual implica o reconhecimento de que a materialidade corporal do ser humano está submetida à lei da gravidade.
O místico (ou espiritual) deve então ser o mais desperto dos homens para as realidades terrestres. Sem essa atenção e esse estar desperto, não há monte a que ele consiga ascender, não haverá possibilidade de trilhar o caminho que o leva ao ponto onde a Terra e o Céu se encontram, não encontrará o lugar em que Deus e o homem se tocam. O desprezo pela finitude da terra e pela fragilidade do corpo terá como contrapartida o encerramento na caverna e a prisão no corpo, como já Platão bem o sabia.
Nós somos o Templo, o único e verdadeiro Templo, onde Deus habita. Nós e a Terra, os planetas, as galáxias, os universos.
ResponderEliminarMuito bom texto, como sempre.
Muito obrigado, Maria.
EliminarPode levar-se um texto assim como mantra para o mundo real?
ResponderEliminarO mundo onde as pessoas já não tomam banho nem mudam de roupa, onde os meninos querem as 2ªas feiras para poderem almoçar, onde as mulheres desabam ao telemóvel num comboio apinhado, onde os homens enterram as cabeças num sono forçado pelo desespero, onde os adolescentes partem as portas de protecção dos metros para entrarem à borla, onde os velhos se deitam mesmo antes de se levantarem para evitarem a consciência da fome?
Ou o poeta é o mais insensível dos seres?
( Texto flecha, o seu!)
A maior das atenções à vida na Terra, e tudo isso que refere faz parte da vida na Terra e da materialidade do nosso corpo. O poeta deve fazer poesia, mas o homem ou a mulher que faz poesia ainda é um homem ou uma mulher, e como tal têm o dever de cuidar da Terra e daquilo que nela se passa. E se isto é dito de qualquer homem ou mulher, por maioria de razões se deve dizer daquele que pretende trilhar o caminho do espírito, seja qual for a tradição onde se inscreva.
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