Carlo Carra - Depois do pôr do sol (1926)
Há um momento na história do Ocidente em que, libertando-se de Deus, os homens colocaram na razão toda a sua fé e toda a sua esperança. Em muitos aspectos, a razão não desiludiu os homens e pagou-lhes com abundante generosidade o culto que lhe foi prestado. Onde, porém, os homens mais necessitavam dessa razão, ela foi impotente para os satisfazer. Libertos das narrativas teológicas e dos símbolos ambíguos que um dia tinham dado direcção à vida, esperavam que a razão lhes desse uma orientação e um sentido. Ela multiplicou-se em propostas, programas e projectos, mas o esforço redundou sempre em algo risível. Hoje, apesar do intelecto calculador e científico parecer estar instalado em terra firme, a razão é um astro declinante. Na verdade, ela é um sol que se pôs e a luz que emite tem o condão de transformar tudo numa paisagem espectral e habitada por fantasmas. Para além da submissão ao trabalho, aos interesses dos mercados e à vida material, a razão, na sua autonomia, nada mais tem para propor, a quem nela tanto confiou, do que o vazio do espírito.
Estas grandes sínteses da razão especulativa são sempre suspeitas. Por exemplo: a razão não ordena isto: «... submissão ao trabalho, aos interesses dos mercados e à vida material» porque razão não é sinónimo de pessoa resignada, pouco imaginativa, despojada do poder, enganada sobre tudo isto e ignorante sobre coisas como "os mercados".
ResponderEliminarParece-me que a razão triunfante, a razão liberal, não ordena, hoje em dia, outra coisa. E não haverá gente que indique a resignação como única conduta racionalmente aceitável.
ResponderEliminarBom Ano Novo.
HV