quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Um espectáculo odioso


A miserável morte de Muammar Kadhafi, mais uma das execuções, pela plebe em delírio, de inúmeros ditadores mais ou menos odiosos, a que tenho assistido ao longo da minha vida, deixa-me, como sempre, um traço de amargura no fundo do coração. Compreendo que numa cultura fundada na lei de talião se possa comemorar com exuberância este tipo de acontecimentos. Mas a minha consciência de ocidental, mesmo que o Ocidente tenha cometido inúmeras atrocidades, sente uma veemente repulsa por estas iniquidades. São duas as fontes culturais da minha repulsa. Por um lado, a ética da justa medida aprendida com os gregos. A justa medida, interpretada nos nossos dias, significa a sensatez da pena, a racionalidade de um processo jurídico a que o réu deve ser submetido, mesmo que ele nunca o tenha permitido aos seus adversários. Mas a lei da razão herdada dos gregos, na cultura Ocidental, foi enriquecida pelo convívio com a grande novidade cristã, o perdão do inimigo, a lei do amor como princípio fundamental das condutas individuais. Este é o núcleo duro dos valores éticos fundamentais do Ocidente. É este núcleo que deve ser cultivado quotidianamente, mesmo, ou ainda mais, numa sociedade que, como a nossa, está a perder o norte. A razoabilidade aristotélica e o sacrifício do Cristo são o suficiente para tudo julgar, condenar e perdoar. O perdão não significa a eliminação da pena, mas a sua razoabilidade e a sua limitação, de forma a que a pena não seja um acto de vingança. Kadhafi tinha direito àquilo que terá negado a muitos, a ser julgado por um tribunal independente, num processo justo.

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