Juán José Vera - Violência (1962)
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Nas vossas orações,
não sejais como os gentios, que usam de vãs repetições, porque pensam que, por
muito falarem, serão atendidos. Não façais como eles, porque o vosso Pai
celeste sabe do que necessitais antes de vós lho pedirdes.» «Rezai, pois,
assim: 'Pai nosso, que estás no Céu, santificado seja o teu nome, venha o teu
Reino; faça-se a tua vontade, como no Céu, assim também na terra. Dá-nos hoje o
nosso pão de cada dia; perdoa as nossas ofensas, como nós perdoámos a quem nos
tem ofendido; e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do Mal.’ Porque,
se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará
a vós. Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai
vos não perdoará as vossas.» (Mateus 6,7-15.)
[Comentário de Francisco de Assis aqui]
O discurso de Cristo aos discípulos começa com uma reflexão sobre o
modo de orar para concluir com uma regra de conduta relativamente ao outro. A
finalidade é de mostrar que o essencial da oração, dessa relação com o divino,
não é a prática de um encantamento, a repetição mágica de um formulário, mas a
atitude que se tem na vida para com os outros. A ofensa é aquilo que quebra a
relação, que destrói a comunidade, que limita a liberdade. Curiosamente, é o
perdão da ofensa pelo ofendido que representa a iniciativa restauradora da
relação, da comunidade e da liberdade. Não basta o pedido de perdão pelo
ofensor, é necessário que o ofendido exerça a sua liberdade e a sua iniciativa
perdoando, é necessário mesmo que antecipe o pedido do ofensor pela sua inciativa de o perdoar.
Isso, porém, não significa que entre a oração encantatória e mágica
atribuída aos gentios e a atitude existencial do perdão não exista oração.
Esta, talvez a mais célebre oração do cristianismo, é a Oração do Senhor ou Pai
Nosso, cuja núcleo central é a realização da vontade divina na terra. É a
realização desta vontade que permite compreender a transição entre uma oração
meramente encantatória e o exercício do perdão pelos ofendidos. Qual o
significado de tudo isto? A suspensão do princípio de justiça assente no olho por olho, dente por dente, a
anulação da vingança como princípio relacional entre os homens.
Uma das interrogações que poderemos ser levados a fazer prende-se com
a tentação. Que tentação é a que refere o texto de Mateus? Possivelmente, todas
as tentações que ofendam o outro, todas aquelas que são movidas pelo
Mal. Mas, pela sua proximidade textual, a que está em causa de forma mais
eminente é a tentação de não perdoar a ofensa, de continuar a violência com uma
nova violência. Se se atentar na crítica da repetição presente na oração dos
gentios, podemos pensar que estes exercícios miméticos possuem um potencial negativo.
O essencial da relação do homem com Deus não é o assédio que impõe ao divino através da repetição
das palavas, mas a suspensão da repetição mimética da violência.