quarta-feira, 20 de abril de 2016

Um monte de cinzas

José de Togores - Figura escondiéndose (1925)

Pousou a cabeça sobre a mesa. A noite chegara ao fim, todos tinham saído. Adormeceu. Sonhou consigo mesma. Desejou desaparecer, fundir-se na matéria do mundo, apagar todas as pistas que, durante a vida, deixara. Havia, no sonho, um grande arquivo. Ali procurou por tudo o que lhe dizia respeito. Queimava o que ia encontrando. Folha a folha, a sua vida ardia. Uma combustão lenta e dolorosa e, ao mesmo tempo, uma experiência única de libertação. Ardia na liberdade assim descoberta. Quando de manhã, como era hábito, a empregada entrou no quarto, tudo estava em silêncio e a cama por desfazer. Sobre a mesa, porém, erguia-se, ainda quente, um monte de cinzas.

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