O ano vai acabar, mas a peregrinatio ad loca infecta parece não ter fim. É aquilo que compete a nós, seres mundanos. Por vezes, consolamo-nos com a ideia de estarmos no mundo mas não lhe pertencer. Mas isso é ainda uma idealização, uma fuga mundi, no sentido pleno da expressão. É nesse mundo que nos compete peregrinar, visitar os locais de perdição, os tomados pelos miasmas da doença, aqueles onde nos esquecemos de quem somos. Se fomos enviados a esta terra e a este mundo, não será uma blasfémia dizer que não lhe pertencemos? Um novo ano vai entrar, segundo o calendário que tomámos por nosso. Se for essa a vontade do Altíssimo, e enquanto essa vontade permanecer, continuará a pregrinatio ad loca infecta. A que outros lugares poderíamos nós, pobres mortais, peregrinar, presos à nossa finitude? Uma boa viagem.
sábado, 31 de dezembro de 2011
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
Poemas do Viandante
234. POEMAS
PARA AFRODITE (XV)
se descanso
no côncavo
desvão
do teu
ventre
oiço o rumor
do sangue
a arder
inundando a
pele
de sede e
calor.
Poema que encerra o ciclo Poemas para Afrodite. Este texto substitui o original, ainda perdido num disco rígido que se transtornou.
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
J.S. Bach - Christmas Oratorio BWV 248
Para quem, em peregrinação, por aqui passe, o Homo Viator deseja um Santo Natal. Exultemos e regozijemo-nos pelo nascimento do Salvador. Na desolação do presépio, nasceu um menino, e como todas as crianças, esta que nasce incansavelmente há mais de dois mil anos representa a convicção de que a vida vale a pena ser vivida, que a morte será derrotada. Oiçamos a Oratória de Natal de JS Bach. Cada nota exalta o nascimento de Cristo.
[J.S. Bach - Christmas Oratorio BWV 248 - Part I 'For the First Day of Christmas' - Mvt. I]
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
domingo, 18 de dezembro de 2011
sábado, 17 de dezembro de 2011
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
domingo, 11 de dezembro de 2011
Haikai do Viandante (16)
Le Merle Noir (Olivier Messiaen)
voa, no fim da tarde,
o melro negro anunciando
a noite que em ti arde.
quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
Arvo Pärt - Most Holy Mother of God
No dia da Imaculada Conceição, uma composição belíssima de Arvo Pärt, nas extraordinárias vozes do Hilliard Ensemble, as quais tivemos o supremo prazer de escutar em Leira, há já alguns anos.
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
Allegri - Miserere Mei
Há alturas na vida que a única coisa que apetece fazer é entoar um Miserere. Pelo mal que fizemos? Não, pelo bem que não tivemos talento de fazer.
domingo, 4 de dezembro de 2011
Poemas do Viandante
241.
Antígona
pobre
princesa
conduzes o
infeliz cego
e na tua
fronte altiva
vem já
desenhado
o rosto da
morte
a poeira de
tebas
o irmão
insepulto
são flores
que anunciam
o destino
infausto
trazido por
mãos cruéis
pousadas nas
trevas do poder
domingo, 27 de novembro de 2011
Poemas do Viandante
240. Etéocles e Polinices
foi dura a batalha
e de sangue nunca a terra se cansa
pobres flores as que
édipo semeou
são cardos e joio
a palha seca
que o vento pela sombra
de tebas levou
sábado, 26 de novembro de 2011
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
domingo, 13 de novembro de 2011
Salve Regina, Arvo Pärt
Um salto no tempo, do tempo de Pergolesi (1710-1736) para o nosso, para Arvo Pärt, do Stabat Mater para a Salve Regina. Mas não por acaso, sempre sob a égide de Maria.
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
Stabat Mater, de GB Pergolesi (2)
Uma outra versão do Stabat Mater, de Pergolesi. A imagem que o autor do vídeo escolheu para acompanhar a peça musical é eloquente. Não é meramente uma mãe que chora a morte do seu filho. É ao mesmo tempo as dores da alma no parto do Verbo.
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
Stabat Mater, de GB Pergolesi
Stabat mater dolorosa
juxta Crucem lacrimosa
dum pendebat Fillius
(todo o texto aqui)
Nunca me canso de ouvir. Esta é a versão de que mais gosto (sopranista, embora aqui seja ainda uma criança, e contratenor). Não sei do que mais gosto, se do texto, se da composição de Giovanni Battista Pergolesi, se das excepcionais interpretações do Concerto Vocal, Sebastien Hennig e René Jacobs, Na transição que vai do primeiro verso Stabat mater dolorosa ao último paradisi gloria. Amen, o luto da mãe de Cristo transforma-se na vitória da vida sobre a morte, e percebemos como uma cena pascal é, ao mesmo tempo, a promessa do verdadeiro natal.
domingo, 6 de novembro de 2011
sábado, 5 de novembro de 2011
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
Poemas do Viandante
239.
Ifigénia
no quadro de
tiepolo
a lâmina no
ventre
sussurra-me a
armada
levada pelo
vento
e os aqueus partem
para a guerra
vão viris e
livres
navegam num
mar de sangue
que desceu
do teu corpo
e limpou a
terra
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
Poemas do Viandante
238. Ulisses
pobre ulisses
o mar encapelado
é uma sombra
suave
sobre o teu
ombro
e a ira do
deus
um
refrigério na tarde
penélope
escolheu
e as núpcias
de ferro
estão
consumadas
não suspires
ainda
a noite só
agora começa
domingo, 30 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
237. VIDA
a vida – a noite a trouxe –
um
mistério
de silêncio
promessa
de luz
cântico
de água
no fogo do
pensamento
terça-feira, 25 de outubro de 2011
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
domingo, 23 de outubro de 2011
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
Um espectáculo odioso
A miserável morte de Muammar Kadhafi, mais uma das execuções, pela plebe em delírio, de inúmeros ditadores mais ou menos odiosos, a que tenho assistido ao longo da minha vida, deixa-me, como sempre, um traço de amargura no fundo do coração. Compreendo que numa cultura fundada na lei de talião se possa comemorar com exuberância este tipo de acontecimentos. Mas a minha consciência de ocidental, mesmo que o Ocidente tenha cometido inúmeras atrocidades, sente uma veemente repulsa por estas iniquidades. São duas as fontes culturais da minha repulsa. Por um lado, a ética da justa medida aprendida com os gregos. A justa medida, interpretada nos nossos dias, significa a sensatez da pena, a racionalidade de um processo jurídico a que o réu deve ser submetido, mesmo que ele nunca o tenha permitido aos seus adversários. Mas a lei da razão herdada dos gregos, na cultura Ocidental, foi enriquecida pelo convívio com a grande novidade cristã, o perdão do inimigo, a lei do amor como princípio fundamental das condutas individuais. Este é o núcleo duro dos valores éticos fundamentais do Ocidente. É este núcleo que deve ser cultivado quotidianamente, mesmo, ou ainda mais, numa sociedade que, como a nossa, está a perder o norte. A razoabilidade aristotélica e o sacrifício do Cristo são o suficiente para tudo julgar, condenar e perdoar. O perdão não significa a eliminação da pena, mas a sua razoabilidade e a sua limitação, de forma a que a pena não seja um acto de vingança. Kadhafi tinha direito àquilo que terá negado a muitos, a ser julgado por um tribunal independente, num processo justo.
terça-feira, 18 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
236. SERENIDADE
chegaram os
dias propícios
a aragem
toca
o arvoredo
um gato corre
e o sol recolhe-se
para lá dos montes
no silêncio
da noite
respiro
e deixo vir
a tua voz
cantar sobre
a luz
que dardeja
a serenidade
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
Últimos dias
Brjullow: Der letzte Tag von Pompeji
Sabe, porém,
isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos. Porque haverá homens
amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos,
desobedientes a pais e mães, ingratos, profanos, sem afecto natural,
irreconciliáveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, sem amor para com os
bons, traidores, obstinados, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos
de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. (S. Paulo, 2 Timóteo, 3: 1-5)
A meditação sobre a expressão últimos dias é fundamental na tradição cristã. Se entendermos por últimos dias aquelas que antecedem a parusia de Cristo, a sua segunda vinda, então todos os dias são os últimos dias. A possibilidade do retorno de Cristo na alma do homem não é um acontecimento distante. Isso implicaria a temporalidade e o decurso histórico. Mas o fundamental não estará nesse fim da história, onde Cristo retorna, mas no que está para além da história e da temporalidade. Eternamente, Cristo está a retornar para julgar os vivos e os mortos. Por isso, a descrição paulina dos últimos dias aplica-se tanto à época em que viveu como à nossa, ou a qualquer outra. Esses últimos dias serão trabalhosos, pois a vinda de Cristo, a sua descida na alma humana é obstaculizada pelo amor-próprio nas múltiplas modalidades que Paulo de Tarso descreve. Vivemos, de facto, os últimos dias, e vivemos a corrupção fundada no egoísmo. Isso é verdade socialmente, mas também o é para cada um de nós. Daí, a necessidade da conversão do ego ao totalmente Outro, a esse vazio que espera o nosso vazio para o preencher.
domingo, 16 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
235. DESERTO
no desconcerto
que são os dias
espero ainda
um vislumbre
a força da
água a correr
o vento
vindo
do vazio
aí germina o
deserto
e os cactos
e o amor que
nasce
em quem toma
o deserto pela
casa
onde nasceu
O templo vazio
O templo, no qual Deus, seguindo a sua vontade, quer poderosamente reinar, é a alma do homem. Deus a formou e criou justamente bem igual a si mesmo, como lemos ter Nosso Senhor dito: "Façamos o homem segundo a nossa imagem e semelhança!" (Gn 1,26). E foi também o que ele fez. Tão igual a si fez a alma do homem que, dentre todas as esplêndidas criaturas por Ele maravilhosamente criadas, não há, nem no reino do céu nem sobre a terra, nenhuma que se iguale tanto a Ele, a não ser unicamente a alma humana. Por isso, Deus quer ter esse templo vazio, a ponto de ali não haver nada mais do que Ele só. (Mestre Eckhart, Sermões Alemães: Sermão 1 "Intravit Jesus in templum et coepit eicere vendentes et ementes")
Este excerto de Eckhart permite surpreender duas questões essenciais, ambas respeitantes à alma. Em primeiro lugar, é nela que reside a imagem e semelhança com Deus. Poderíamos contrapor a materialidade do corpo à alma, mas isso pouco nos ajudaria, para além de nos deixar reféns de um conjunto de dualismos de natureza aporética. A segunda questão poderá esclarecer esta. Deus quer a alma como um templo vazio. É no vazio que reside a natureza da alma. Esse vazio, devido à sua relação com o templo, é uma abertura. O que é solicitado ao crente - no fundo, a todo o cristão - é a abertura de si-mesmo. Mais que esta ou aquela acção, o que está em jogo é o esvaziar da alma de tudo o que indevidamente a ocupa, sejam preocupações mundanas, sejam vontades e ilusões próprias, seja, inclusive, o plano de salvação pessoal. O vazio é o vazio, e tudo o que se coloca nesse vazio torna-se num obstáculo à presença de Deus no templo. O que está em jogo então não é a minha salvação pessoal ou do mundo, ou seja do que for, mas a da presença do Criador na sua criatura. Essa presença é a própria salvação da criatura e luz para o mundo criado. Inopinadamente, o cristianismo, naquilo que nele é mais essencial, revela um estranho parentesco com disciplinas espirituais bem distintas dele, como o budismo zen ou o tibetano. Fazer em si o vazio para que o Vazio o preencha.
sábado, 15 de outubro de 2011
Destinos e limbos
O último poema da série Poemas para Afrodite, que deveria ter sido postado ontem, sofreu um singular destino. Encontra-se encerrado no limbo de um disco rígido externo ao qual o autor deste blogue deixou de ter acesso. Diversas tentativas, mesmo profissionais, para entrar em contacto com o conteúdo do disco mostraram-se infrutíferas. Naquele limbo digital encontra-se, entre muitas outras coisas, toda a produção poético do autor do blogue, da qual, para muitos dos casos, não há qualquer outra cópia. Há muito que deixei de escrever em papel, e aquilo que fora escrito em papel há muito que estava em suporte digital e o papel devolvido ao pó da terra.
Mais que digno de lamentação, o caso coloca uma questão interessante. Se nem uma empresa super-especializada em recuperação de dados, a que penso recorrer em breve, conseguir salvar o acervo do disco, então toda aquela poesia que lá se encontra, e da qual não tenho qualquer duplicado, desaparecerá. Será o sinal definitivo de que não merecia qualquer atenção. Veremos o que vai acontecer.
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
233. POEMAS PARA AFRODITE (xiv)
a tua pele
sob esta mão
um mar de cetim
e se te olho
no fundo
dos olhos
tudo treme
e dança em mim
quarta-feira, 12 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
232. POEMAS PARA AFRODITE (xiii)
respirar
o suor do teu
ventre
e fazer
desse corpo
um abrigo
feroz e doce
fresco e quente
terça-feira, 11 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
231. POEMAS PARA AFRODITE (xii)
põe em mim
o calor
dos teus dedos
e arranca
deste corpo
cada um
dos teus
segredos
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
230. POEMAS PARA AFRODITE (xi)
entre as tuas coxas
repouso
a boca
e bebo água
e vinho
e ébrio abraço-te
se cantas viva
e louca
domingo, 9 de outubro de 2011
Da inefabilidade do poema
Poderemos ainda pensar o insondável que se manifesta, ao vir à linguagem, na poeticidade do poético? Se considerarmos esse insondável como um logos apofântico, cuja revelação, permitiria um regime de veridicção, afastamo-nos decisivamente desse núcleo originário de onde brota aquilo que toma forma de poema. O que toma a forma de discurso, mesmo poético, não possui a raiz nesse discurso, mas naquilo que é o prévio do discurso, nesse rumor que percorre o ser e o impele para a palavra. No entanto, esse rumor não deixa de ser o rumor do próprio logos, nessa ânsia de manifestação. Introduzir a metáfora do rumor terá alguma vantagem? Faz-nos abandonar o campo da negação, campo dado em metáforas como insondável ou inefável. Esse rumor, porém, indica ainda um acontecer e a produção (poiésis) desse acontecer. Será nos conceitos de dynamis e energeia que se abre o caminho para a poeticidade do poético. Mas o trajecto terá de ser entendido à rebours da lógica do discurso filosófico. A exploração dos conceitos de dynamis e de energeia não visa a sua definição e precisão lógico-discursiva, mas uma viagem para o domínio pré-conceptual como preparação para para o salto - trata-se efectivamente de um salto para a consciência comum e também científico-filosófica - para a experiência da dynamis (potência) e da energeia (acto). Dando, sem análise crítica, como boas as traduções canónicas por potência e acto do par dynamis e energeia, podemos dizer que há que fazer a experiência da potencialidade e da actualidade, não apenas a escuta de ambas, mas a experiência do operar agónico que as conduz e as constitui, para nós, como rumor. Aqui está já presente o logos, mas ainda não cindido e submetido a um regime de veridicção. Neste conflito e amplexo erótico, são expelidas as matérias que o poema fixa através das múltiplas estratégias da escrita poética, mas a poeticidade reside no tumulto da agonía, e o poeta vive na fronteira entre o caos agónico e o cosmos lógico-sintáctico. A inefabilidade do poema reside, aos nossos pobres olhos, no facto de ele ser ao mesmo tempo um guarda-fronteiriço e um emissário desse mundo que se subtrai, na vitória da lógica e da sintaxe, à experiência humana,
Poemas do Viandante
229. POEMAS PARA AFRODITE (x)
a tua na minha
língua
é onda
mar revolto
um campo
de musgo
onde preso
me solto
sábado, 8 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
228. POEMAS PARA AFRODITE (ix)
se despida
a luz te toca
estremeço
e tudo em mim
é desejo e ânsia
e pura vontade
de morte
e recomeço
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
227. POEMAS PARA AFRODITE (viii)
deixar correr
o sémen
em teus lábios
e escutar
o murmúrio
do corpo
na cama coberta
de naufrágios
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
226. POEMAS PARA AFRODITE (vii)
se te toco
o rosto
dás-me
nessa boca
um licor de rosas
e mosto
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
225. POEMAS PARA AFRODITE (vi)
nessa distância
de mar e
assombro
deixo a língua correr
da brancura
do seio
ao fogo
do ombro
terça-feira, 4 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
224. POEMAS PARA AFRODITE (v)
a mão
em teu colo
fremente
e a boca
sôfrega
repousa
na nascente
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
223. POEMAS PARA AFRODITE (iv)
adormeço
no teu corpo
e espero
a manhã
para acordar
em alvoroço
domingo, 2 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
222. POEMAS PARA AFRODITE (iii)
toco-te
a espádua
e bebo
o vinho
na tua boca
de água
sábado, 1 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
221. POEMAS PARA AFRODITE (ii)
abandona a roupa
pelo chão
e deixa a luz
trazer
um mistério
de seda
ao império
da minha mão
sexta-feira, 30 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
220. POEMAS PARA AFRODITE (i)
o olhar aberto
à tua pele
o mar do corpo
à míngua
e trémulo
o ventre
respira-te ao sabor
desta língua
terça-feira, 27 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
219. PROMESSA
os sonhos de água
naquelas noites
de invernia
acodem-me agora
brandos e leves –
promessas
de amor
se chega o dia
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
A Igreja e os modernos
Bento XVI, nesta sua viagem à Alemanha, relembra a necessidade de ser firme na fé contra os ventos de secularização e exprime o receio de que na Alemanha o catolicismo se protestantize, deixando ao livre-arbítrio de cada um aquilo em que quer acreditar. Referiu também que a Igreja está demasiado instalada e com pouca espiritualidade. Todos estes temas acabam por ser diversas faces de um mesmo e único problema, o da relação, ainda difícil, entre a tradição católica e a modernidade ocidental. A autonomia da consciência, a valorização da experiência, a capacidade crítica da razão, levantaram um conjunto de obstáculos à transmissão de uma tradição que, muitas vezes, se ancorou na infantilização das consciências, na negação do valor da experiência dos indivíduos e da capacidade crítica da razão. O problema não reside em que cada um acredita no que quer, isso é apenas um sintoma marginal. A questão está na experiência da fé e na entrega ao espírito sentidas como um imperativo que, em cada um de nós, constitui o seu próprio e singular mistério. Talvez a Igreja Católica esteja demasiado instalada porque perdeu o sentido último daquilo que a constitui e o substituiu por uma moralidade e por uma estética de duvidoso gosto. Nós, os modernos, com a cultura da razão que os tempos permitiram, com a autonomia da consciência que se conquistou e com o livre-arbítrio dado por Deus não precisamos tanto da Igreja - a quem manifestamente falta autoridade para falar do assunto - para aconselhamento sobre a moralidade sexual ou a política, mas precisamos de uma Igreja madura na experiência do Espírito, capaz de acolher e orientar o caminho para Deus, sabendo discernir os espíritos, digamos assim. O perigo de secularização não vem do século, mas de dentro das próprias instituições religiosas, onde parece que, há muito, tudo se tornou insípido, vulgar e banal. Basta escutar as homilias das missas dominicais. Como tocar os homens modernos se o discurso é estereotipado, vagamente moralizador, adocicado e onde não há sinal da presença do mistério que faz do homem um ser à imagem e semelhança de Deus?
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
218. TEMPO
a hora avança
traz no seio
a flor nocturna
uma luz
a casa esquecida
os bancos de pedra
sobre o tumulto
desfeito
das águas paradas
do rio
terça-feira, 20 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
217. PODERES
os teus poderes
tão exíguos
balançam
ao vento norte
ressoam
são sinos
nas manhãs frias
se acaba
a primavera
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Haikai do Viandante (4)
Árvore ao vento,
traço de sombra no monte.
Uma folha cai.
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terça-feira, 13 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
216. EXÍLIO
contar estrelas
e sob o império
da lua
calcular constelações
pequenos barcos
no mar
a dor do exílio
no descampado
da vida
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
215. SOMBRAS
chega a noite
com o seu manto
de claridade
e as sombras
rosas
de cetim
quando tocadas
pela fímbria
dessa mão
domingo, 11 de setembro de 2011
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
214. PLANÍCIE
entardecem
os ramos
da figueira
e o chão sulcado
de formigas
é uma planície
de folhas mortas
sobre o teu corpo
doce e maduro
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
Schubert - Jessye Norman: Ave Maria
Ave Maria! Jungfrau mild,
Erhöre einer Jungfrau Flehen,
Aus diesem Felsen starr und wild
Soll mein Gebet zu dir hinwehen.
Wir schlafen sicher bis zum Morgen,
Ob Menschen noch so grausam sind.
O Jungfrau, sieh der Jungfrau Sorgen,
O Mutter, hör ein bittend Kind!
Ave Maria!
Ave Maria! Unbefleckt!
Wenn wir auf diesen Fels hinsinken
Zum Schlaf, und uns dein Schutz bedeckt
Wird weich der harte Fels uns dünken.
Du lächelst, Rosendüfte wehen
In dieser dumpfen Felsenkluft,
O Mutter, höre Kindes Flehen,
O Jungfrau, eine Jungfrau ruft!
Ave Maria!
Ave Maria! Reine Magd!
Der Erde und der Luft Dämonen,
Von deines Auges Huld verjagt,
Sie können hier nicht bei uns wohnen,
Wir woll'n uns still dem Schicksal beugen,
Da uns dein heil'ger Trost anweht;
Der Jungfrau wolle hold dich neigen,
Dem Kind, das für den Vater fleht.
Ave Maria!
Haikai do Viandante (2)
Schubert - Pavarotti: Ave Maria
A luz cobre a terra.
Flor de seda branca e turva
poisa nas giestas.
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
213. OS DIAS DE SETEMBRO
chegaram os dias
de setembro
e os teus olhos
cerram-se
na tarde
esperam ainda
a consolação
essa vida prometida
para sempre
adiada
terça-feira, 6 de setembro de 2011
Haikai do Viandante (1)
Shakuhachi/Shamisen Duo
Um pássaro voa,
pedra de espuma e mar.
Floresta sombria.
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Tradição
Adão e Eva
Uma simbólica essencial inscreve-se no mito de Adão e Eva. Não dirá tanto respeito à queda, mas à tarefa de ressurreição e de emancipação que se coloca aos seres humanos na sequência da queda. Homem e mulher tornam-se um para o outro caminho, mediação, possibilidade. A consumação da feminilidade de toda a Eva passa pela mediação de Adão e vice-versa, a consumação da virilidade de qualquer Adão passa pela mediação de uma Eva. Talvez o sentido mais profundo da indissolubilidade do matrimónio não resida na proibição da separação dos casais reais, mas na indissolubilidade entre o masculino e o feminino na experiência espiritual.
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
212. Floresta (XII)
não há meses
estações
fronteiras
dentro da floresta
apenas traços de água
névoa
as folhas mortas
trazidas pela vida
e o deus
que te espera
no lugar aberto
do coração
domingo, 4 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
211. Floresta (XI)
despida disseste
deixa arder
a tua língua
no meu sexo
para que entre em ti
a terra fértil
e obscura
a seiva lenta
a flutuar no fundo
do corpo –
essa lâmpada
acesa
no frio da noite
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