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| Dorothea Lange, The Defendant, Alameda County Courthouse, California, 1957 |
sábado, 31 de maio de 2025
Meditação breve (205) Acusação
Toda a acusação contém em si um peso que recai sobre o acusado. Esse peso varia na proporção inversa ao grau de culpa.
quinta-feira, 29 de maio de 2025
Pulsar de Primavera (10)
terça-feira, 27 de maio de 2025
Micronarrativa (75) Imperativos
domingo, 25 de maio de 2025
Signo sinal 28. Sem raízes
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| Giorgio de Chirico, La recompesa del Adivino, 1913 |
Haverá um momento em que sobre a Terra já não haverá seres humanos, mas persistirão ainda as suas cidades, as casas, as ruas, as praças. Ninguém, porém, pensará sobre elas, olhará para a arquitectura e entregar-se-á ao prazer de as contemplar. Tudo terá entrado no nada, não porque tenha deixado de existir, mas porque não há pensamento que enraíze as coisas ao solo da Terra.
sexta-feira, 23 de maio de 2025
quarta-feira, 21 de maio de 2025
Pulsar de Primavera (9)
segunda-feira, 19 de maio de 2025
O sal do silêncio (124)
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| Robert Liep, Gewittersturm, 1900 |
Uma tempestade assombra o silêncio, quebra-lhe as raízes, abre-o ao devir, como um amante intrépido se entrega ao cândido pavor de uma paixão. A terra treme e um trovão crava os dedos no ritmo errático do coração, onde o murmúrio da pulsação se oculta na glicínia da mudez.
sábado, 17 de maio de 2025
A memória do ar (40)
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| Todd Webb, Broadway at Wall Street, New York, 1959 |
O ar nocturno despe-se das memórias luminosas e paira sobre as suas presas como uma ave de rapina. Indiferentes ao perigo, homens e mulheres fendem o muro da escuridão, passam absortos sem olhar o próximo que com eles se cruza, entregando-se, não sem um secreto prazer, na tormentosa vertigem das trevas.
quinta-feira, 15 de maio de 2025
Pulsar de Primavera (8)
terça-feira, 13 de maio de 2025
A sombra da água (40)
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| Claude Monet, Water Lilies (The Clouds), 1903 |
Um vestígio do céu penetra nas águas, como uma sombra nublada feita de hábitos ancestrais. Também a natureza tem uma linhagem e uma herança. Por vezes, toma a forma de lei, outras é um jogo artístico, uma composição musical, onde a água que corre na Terra chama a que voa pelos céus.
domingo, 11 de maio de 2025
Geometrias de fogo (40)
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| Paula Rego, O Gigante de Minsky, 1958 (Gulbenkian) |
O fogo é um animal selvagem: talvez um leão, talvez um leopardo, talvez um tigre. Tem garras afiadas para ferir aquilo em que toca, para queimar a pele da terra e incendiar os horizontes. Como o olhar de um grande felino, o fogo vibra na escuridão da noite. E, onde leva a luz, oferece também a escuridão das cinzas.
sexta-feira, 9 de maio de 2025
O Espírito da Terra (40)
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| Jaime Morera y Galicia, Cabeza de Hierro. Guadarrama, 1891-97 |
Será nas montanhas que o espírito da Terra se refugia, quando a acção dos homens, tocados pela impiedade da dominação, abre, na frágil pele do planeta, escaras hediondas. O coração sangra. O corpo, rasgado pela dor, recolhe-se no alto. O espírito contempla então o desvario e entrega-se a uma terapia feita de distância e solidão.
quarta-feira, 7 de maio de 2025
Pulsar de Primavera (7)
segunda-feira, 5 de maio de 2025
Biografias 35. O pintor perdido
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| André Kertész, Piet Mondrian, Paris, 1926 |
O pintor oferece os seus olhos à câmara fotográfica para que esta, no fundo deles, encontre as linhas, as cores e as formas que o habitam. Ela, porém, teme o seu olhar, perde-se na rigidez da postura, no temor que o habita perante um mundo maquinal, e devolve-nos um artista sem a sua arte, um pintor sem a cor da sua pintura, um homem tomado no oceano da convenção.
sábado, 3 de maio de 2025
Diálogos morais 69. Mercado
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| Dorothea Lange, Consumer relations, San Francisco, 1952 |
- Despacha-te, não podemos chegar atrasados.
- Dá-me colo.
- Os homens não andam ao colo.
- Sou uma criança e tu és a minha mãe.
- As crianças, também não. Estão à nossa espera.
- Não quero ir.
- Vamos...
- Vamos a onde?
- Vamos à loja comprar...
- Vamos, mesmo?
- Sim.
- E lá também se vendem mães?
quinta-feira, 1 de maio de 2025
Pulsar de Primavera (6)
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| José Pedro Croft, Et Sic In Infinitum, sd (Gulbenkian) |
pelas ruelas sem nome
passa o vento da primavera
traz o aroma do oceano
ao portfolio vazio da cidade
preso na passagem sem saída
abro o coração à tempestade
Maio de 2025
terça-feira, 29 de abril de 2025
Câmara discreta (27)
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| Edward Steichen, On George Baher’s yacht, 1928 |
O mar coberto pela bruma fascina o olhar. Tudo se torna, então, um mistério. O balancear do barco, o ruído das águas, o bater apressado dos corações. Enquanto as mulheres se deixam enredar no silêncio da fantasia, nas mil possibilidades que aquela hora lhes apresenta à vertigem da vontade, o fotógrafo evita a indiscrição: esconde-lhes o olhar para não lhes prescrutar as almas. Respeita a imersão no sonho e a combustão do corpo. Evita desocultar as flores monstruosas do pensamento ou o latejar da vontade perdida na imensidão inominável do oceano.
domingo, 27 de abril de 2025
Arqueologias do espírito 32
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| Herbert Boeckl, Der Wörthersee, 1928 |
A vibração da cor e a sua multiplicidade e variabilidade sem fim são um indício do nascimento do espírito. A exuberância com que a paisagem se apresenta é o sinal de uma gravidez prestes a chegar ao fim. Então, nasce, na consciência do homem, um murmúrio, como se um vento suave lhe soprasse a face e o chamasse para dentro de si mesmo. Não, aquelas cores não são um fim, apenas a mediação entre aquele que olha a voz que o chama.
sexta-feira, 25 de abril de 2025
terça-feira, 22 de abril de 2025
Pulsar de Primavera (5)
domingo, 20 de abril de 2025
Impressões 127. Um coração terrível
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| Émile-René Ménard, La Bañista, 1913 |
Era como se um coração terrível sentisse, de repente, um torpor, a necessidade de oferecer o corpo è contemplação e esquecer a combustão de cada dia. No rumor matinal, a nudez é apenas a matéria friável do sossego, um desejo obscuro de pertença ao grande segredo da terra quando se abre ao silêncio do céu.
sexta-feira, 18 de abril de 2025
Histórias sem nexo 35. Fatalidades
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| Francisco Suñer, A la fiesta, 1981 |
Na
fonte à fábrica dos fanqueiros, Felisberto e Feliciana falavam de Fernando,
filho de faustosa família, ferrado em Fez. Falta, fez? O fungo do flagelo e o fogo
das ferozes forças forraram a fidelidade da fábula. Ficou a famosa fé e a ferida
funesta do fado. Foi-se, frisou Felisberto. Forte frente à falida fraqueza dos
fregueses, fundamentou Feliciana. Fim fatal.
quarta-feira, 16 de abril de 2025
Meditação breve (204) O corpo nu
segunda-feira, 14 de abril de 2025
Pulsar de Primavera (4)
sábado, 12 de abril de 2025
Micronarrativa (74) Indistinção
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| Gustav Klimt, Schubert ao Piano, 1899 |
O que move aquelas mulheres? O amor da música ou o desejo do músico? Elas não o sabem, pois o seu ser é incapaz de distinguir o ritmo musical da gramática com que o ele se apresenta ao seu olhar. Conforme, os acordes irrompem, elas fecham os olhos e o que vêem é apenas aquela figura, que não é mais do que o desenrolar do ritmo com que o som vem à existência, paira por instantes e se desvanece no fundo dos seus corações.
quinta-feira, 10 de abril de 2025
Signo sinal 27. Sentido
| Marc Chagall, Cain and Abel, 1911 |
A
tragédia humana nasce não daquilo que meramente acontece, mas do poder que os
homens trazem consigo de dar sentido ao que acontece. Se o assassinato de Abel
por Caim fosse um mero evento, não haveria qualquer tragédia, apenas um facto
no mundo natural. Mas é mais do que isso, pois foi transformado em signo que dá
um sentido, que ilumina o acto e permite ver o que nele há de perverso.
terça-feira, 8 de abril de 2025
O sal do silêncio (123)
| Benvenutu Benvenuti, Alba em Padule, 1926 |
Sobre o paul, a aurora desliza com a serenidade das coisas geradas no silêncio. Nem o tumulto do dia, nem a perturbação do ocaso, nem a insegurança da noite: nada toca a irrupção da luz, que, no sossego inefável do mistério onde habita, se prepara para dissolver as trevas e serenar os corações tolhidos pela inquietação.
domingo, 6 de abril de 2025
Pulsar de Primavera (3)
sexta-feira, 4 de abril de 2025
A memória do ar (39)
| Charles Lapicque, Lagune Bretonne, 1959 |
Não há dedos que se cravem no ar, nem mãos que nele peguem e o transportem para outro lado. Fica onde quer, move-se invisível, mas nada nele é errático. Acidentais, são os nossos pensamentos sobre ele, não percebendo que o ir e vir, ora cobrindo a lagoa, ora procurando a floresta, é a sua forma de dançar. E dançar é a imobilidade daqueles cuja natureza é mover-se.
quarta-feira, 2 de abril de 2025
A sombra da água (39)
| Gustav Klimt, Moving Water, 1898 |
Os corpos são sombras de água na água do rio. Vão e vêm ao sabor do desejo, pois desejar é entrar numa corrente. Deixar-se balançar pelo ímpeto do caudal, que muda conforme as estações do ano, o poder da meteorologia e um segredo nunca desvendável. Em tudo, também na água do desejo, há um desconhecido a que olhos e ouvidos humanos estão, por um decreto inviolável, proibidos de aceder.
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