| Bernardo Marques, Primavera (Gulbenkian) |
nas ruas repletas de gente
queima o sol quaresmal
despidas as árvores floriram
num acesso de ânimo
espero a luz da ressurreição
na manhã do domingo de páscoa
Março de 2025
| Bernardo Marques, Primavera (Gulbenkian) |
nas ruas repletas de gente
queima o sol quaresmal
despidas as árvores floriram
num acesso de ânimo
espero a luz da ressurreição
na manhã do domingo de páscoa
Março de 2025
| Gustav E. B. Trinks, Farbige Schatten, 1902 |
| James Van Der Zee, Barefoot Prophet: Elder Clayhorn Martin, Prophet Martin, 1929 |
| Eugene Robert Richee, Betty Grable, 1930s |
| Ray K. Metzker, City Whispers, Los Angeles, 1981 |
| Cruzeiro Seixas, O Quarto do Gatuno, 1972 (Gulbenkian) |
| Giorgio Morandi, Paisaje, 1913 |
| Rafael Estrany, Cursa de cavalls |
José Manuel Espiga Pinto, Mapa
marcado com rasgão para entrada na sala de projecções simultâneas, 1973 |
inclino-me para dentro do
inverno
e oiço o grito do anjo da história
o pez da tempestade amainou
mas no lugar das rosas restam
ruínas
não sei se o prenúncio da primavera
me traz frio ou calor ao
coração
os dias navegam em mar incerto
o perigo espreita no silvar do
silêncio
Março de 2025
| António Costa Pinheiro, Fernando Pessoa - Heterónimo, 1978 (Gulbenkian) |
| Maria Helena Vieira da Silva, Inverno, 1951 |
sento-me no desconforto dos
dias
e bebo a cicuta da incerteza
o inverno estremece e hesita
como uma noiva a caminho do
altar
dormente regurgito a paisagem
o destino afasta-se em silêncio
no ouro da dúvida os dias crescem
são pássaros poisados nas
tílias
Março de 2025
| Hashim Samarchi, A Pálida Lua, 1967 (Gulbenkian) |
| Santiago Rusiñol Prats, Jardin de Invierno, 1891 |
a estrada devoluta é uma sombra
no degelo da gramática invernal
as primeiras frases ressoam
trazem a luz do bosque arcaico
à solta na cidade sonâmbula
um rebanho de ménades em fúria
dança possuído pelo deus
canta o degelo na estrada vazia
Fevereiro de 2025
| Leopoldo Novoa, Aujourd'hui personne n'est venu, 1976 |
| Frederick Boissonas, Dans la Montagne, 1905 |
| László Meitner, Inverno em Paris (Gulbenkian) |
leio a segunda epístola de
inverno
na neblina nascida pela manhã
os olhos presos na cinza do céu
tremem no temor do cansaço
a cidade é um esboço delido
traçado pelo frio lápis de
carvão
fevereiro corre no coração dos
crentes
escutam a carta que ninguém escreveu
Fevereiro de 2023
| John Ruskin, A River in the Highlands, 1847 |
| Paula Rego, Ninho, 1972 (Gulbenkian) |
| Lucien Clergue, Bullfight, Arles, France, 1970-1979 |
O diestro olha, e nos olhos do touro vê os seus próprios olhos. Chegados à arena, tudo o que separava sacrificador e vítima sacrificial se confunde, como se a cintilação do traje de luces trouxesse não a sombra que cai sobre a praça, mas as trevas mais densas que, na tensão do confronto, o toureiro suspeita existirem antes e depois da vida. Se na praça se ouve um paso-doble, o homem na arena está surdo na sua solidão. O touro vai e vem, e a capa ondeia levada pelo vento nascido das mãos do lidador e da raiva cega do animal. Este, preso no horror, não vive no tempo, apenas naquele instante sem sentido, no frio momento despido de futuro. O tempo pertence àquele que maneja o estoque e decide a hora desse inocente onde se projecta a culpa do matador.
| Sergio Larrain, Bar, Valparaiso, Chile, 1963 |
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| André Kertész, Old Gentleman, Paris, 1926 |
| Bernardo Marques, Inverno (Gulbenkian) |
o inverno é um alçapão por onde
se entra no silêncio do mundo
desce-se pelos dias frios e
chega-se
pela curva corda do vento à mudez
ali se permanece sem biografia
sem a querela de cobre do
querer
as mãos abrem-se ao ritmo dos
dias
e deixam escapar o gérmen de um
gesto
Fevereiro de 2025
| Carlo Carra, Sera sul Lago, 1924 |