Bernard Plossu, Lisboa 88, 1988 (Gulbenkian) |
nos recantos da cidade.
O peso da noite.
Bernard Plossu, Lisboa 88, 1988 (Gulbenkian) |
nos recantos da cidade.
O peso da noite.
Carlos Calvet, Os 4 elementos, 1959 (Gulbenkian) |
Jenner Augusto, Barcos na praia (Gulbenkian) |
Oiço o silvo do vento de Verão
no grasnar das gaivotas pela
praia.
Verdes águas enrolam-se em
ondas
de espuma rosada pela areia.
Passeante na pálida manhã,
solitário amante do silêncio,
no murmúrio do mar escuto o
canto
das sereias, a voz azul dos
céus.
Assim vou, meditando no segredo
encoberto na lenta luz das
águas,
no veloz vento vindo com os
barcos.
Um clamor na manhã abre o mundo
ao sigilo estático das mãos,
ao pulsar inquieto do amor.
Agosto de 2024
Lee Friedlander, New York city, 1966 |
Rui Filipe, Baixa-mar, 1973 (Gulbenkian) |
Ana Maria Botelho, Le couple et l'instrument, 1980 (Gulbenkian) |
em silêncio, meditam cruéis
crimes.
A idade arrasta-os no rio
da memória, no mar do abandono.
As palavras usadas são
andrajos,
roupas gastas, metáforas
extintas
no vulcão desta língua, no fedor
com que corpos usados inda
falam.
Cada crime pensado abre ruas
onde passam memórias arrastadas
na corrente das águas quase mudas.
Andrajosas metáforas proclamam
o retorno dos mortos revestidos
por antigas palavras rasuradas.
Agosto de 2024
Marcelle Cahn, sem título, 1964 (Gulbenkian) |
António Areal, sem título, 1961 (Gulbenkian) |
Restos de memórias
flutuam num mar vermelho.
Mundos esquecidos.
W. Eugene Smith, Steelworker, 1955 |
Pierre de Chevannes, Jóvenes al borde del mar, 1879 |
uma mancha nas noites de
Agosto.
Dias deslizam nos dias, o sol vai,
vem,
inquieto, perdido no horizonte.
Relva verde desdobra-se no
olhar.
Onde eram cabanas acanhadas,
crescem casas de pedra, luz e sal.
Na memória, apenas sol e mar.
A miragem das horas carregadas
com o peso da água, com a cal
das manhãs que de súbito se
calam.
Cativei desses dias os rumores.
Raparigas despidas caminhavam
na rudeza do sol, presas ao mar.
Agosto de 2024
Antoine Chintreuil, The Rain Shower, c. 1868 |
Fred Kradolfer, sem título, 1930 (Gulbenkian) |
José de Almada Negreiros, sem título, 1941 (Gulbenkian) |
a certeza das tardes e das
noites?
Saberemos da Lua a aparência,
quando Julho progride na jornada?
Estações são mistérios ilegíveis,
pelos anjos escritas num
caderno
onde a luz resplandece e nos
cega,
onde a noite cintila no silêncio.
Raparigas perpassam nos meus
olhos,
trazem vestes de Estios muito
antigos,
eram jovens e belas na memória,
eram filhas dum tempo onde
Julho
refulgia nos seus olhos e ardia
na secreta paixão nos meus velada.
Julho de 2024
Henry Peach Robinson, Atlanta, 1896 |
Nicolaus Schindler, Puszta-Motiv, 1908 |
Ana Hatherly, sem título, 1971 (Gulbenkian) |
O livor destes dias faz de
Julho
o mais ímpio dos meses de
Verão.
Claras nuvens no céu são o
prenúncio
do jardim onde as horas se
recolhem.
Escondeu-se o Sol e dardejou
sem clemência os homens impudentes.
Vozes clamam ao longe, fatigadas,
rasgam turvos silêncios em sua
dor.
Escondi o meu corpo na caverna
onde moram os sonhos e dormi,
esquecido dos dardos invencíveis.
É o áspero rumo que me leva
desta terra sem ruas, sem rumores,
ao local onde morre o Sol no
mar.
Julho de 2024
Rui Filipe, Baixa-Mar, 1973 (Gulbenkian) |
João Dixo, Quem pinta, pinta-se, 1978 (Gulbenkian) |
Júlio Pomar, Cegos de Madrid, 1957-59 (Gulbenkian) |
António Dacosta, Sonho de Fernando Pessoa debaixo de uma latada numa tarde de Verão, 1982 (Gulbenkian) |
caiu lesto nas sombras da
cidade.
No silêncio das tardes
resplandece
luminoso o prenúncio da
revolta.
Tão pesado tributo enlouquece
quem do Norte partiu em busca
plácida
de outras terras sem gelo, de
eternas
noites cálidas, ricas em ardor.
Ocultaram-se os homens no
jardim
onde o tempo ameno abre os
braços
e mitiga a revolta dos perdidos
no frio fogo do Sul, na vã
loucura
de esperar salvação nesses
lugares
onde tudo se perde sem perdão.
Julho de 2024
Manuel Botelho, Areia e Sal - Igrejas Silenciosas, 1987 (Gulbenkian) |
Henry Moore, The Artist's Hand III, 1973 (Gulbenkian) |
León Kossoff, Demolition of the Old House, Dalston Junction, Summer, 1974 |
Esqueci os amores de Verão.
Esqueci vendavais e noites quentes.
No oceano está presa a memória
dos incêndios bravios da vida rude.
Oiço o leve bater das horas idas
na janela aberta destes dias,
casa branca agora desprezada,
onde ardia o fogo da esperança.
Oiço a noite rugir na rua vazia
onde os passos que dei ainda ecoam
como sinos feridos na montanha.
Animal sem morada nem destino,
animal sem a luz de cada dia,
abro as mãos e no vento oiço o Estio.
Junho de 2024
Yale Joel, People and vehicles moving about city shrouded in fog. Paris, 1948 |
Hubert Robert, Roman Ruins, 1773 |
Ernst Ludwig Kirchner, Fehmarn House, 1908 |
Partirás,
Primavera, apressada.
O
teu noivo espera-te na casa
de
onde não voltarás para rever
a
luz do dia e o frio negro da noite.
As
flores que trouxeste definharam.
Nos
rios, bravias águas adormecem.
São
corcéis sem fulgor, velhos amantes
perdidos
no cansaço do amor.
Jamais
retornarás, mesmo se o tempo
trouxer
nova vitória sobre a noite
do
negro Inverno que virá.
Fantasia
e fulgor, novos amantes
encontrarão
a luz de um desejo
que
outra Primavera soltará.
Junho de 2024
Bernardo Marques, Tejo (Gulbenkian) |
Fernando Pissarro Gambôa, Terra Perdida IV, 1982 (Gulbenkian) |