Javier Calvo - Cataclismo (1986)
Designamos por cataclismo todas as grandes catástrofes naturais e, por extensão, as sociais. Originariamente, no grego antigo e no latim, o termo estava ligado ao elemento água. Um cataclismo era uma inundação para os gregos e um dilúvio para os romanos. O que terá permitido esta transferência metonímica, onde uma palavra, cataclismo, que designa uma parte das catástrofes, aquelas que estão ligadas à agua, passa a designar todo o tipo de catástrofes, sejam naturais ou sociais? Todas as catástrofes têm um elemento fluido. Nelas, aquilo que é sólido perde a sua solidez e arrasta a vida dos homens como uma enxurrada impetuosa.
Perante a força destruidora da água, pode-se perguntar que sentido haverá que o cristianismo tenha feito da água - através do baptismo - um símbolo central. A resposta óbvia está ligada às propriedades lustrais da água. Há, contudo, uma resposta menos óbvia e mais funda: aquilo que traz a morte também traz a vida. Cataclismos são catástrofes terríveis e dolorosas, mas são ainda uma forma de a vida se afirmar perante e sobre a dor e a morte. O estado líquido onde o mundo parece encontrar-se, onde tudo o que um dia foi sólido parece desabar, apela ao trabalho do espírito para que, no cataclismo universal em que vivemos, inscreva uma nova vida.