Giorgio de Chirico - O enigma da chegada da tarde (1912)
Sentia-se um velho Orfeu. Não, não era o luto pela morte de qualquer Eurídice. Nem sequer a consciência da sua fraqueza ao não ser capaz de suster a tentação do olhar. Quando a tarde caía, era impelido, como Orfeu o fora para a lira, a sentar-se ao piano. Deixava as mãos perderem-se nas teclas. Improvisava. Na música, doía-lhe o enigma do entardecer. Os sons tornavam-se água, um oceano sem fim. Então, ele entrava no grande navio. Fugia. Fugia do mistério do poente, do enigma do entardecer. O outro lado do mar esperava-o. Chegada a noite, exultava, o exílio terminara. Era a sua pátria.
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