quinta-feira, 8 de março de 2018

Haikai urbano (32)

Alfred Stieglitz, Reflections, Night–New York, 1897

Reflexos na noite,
suaves sombras de seda.
Árvores e luz.

quarta-feira, 7 de março de 2018

Poemas do Viandante (675)

Antonio Tápies - Grand triangle marron (1963)

675. o triste triângulo marron

o triste triângulo marron
amadurece
entre castanheiros
desenha um símbolo cego
e surdo
o sabre com que
recorto o
bater das folhas
na penúria dos ramos

(19/12/2016)

terça-feira, 6 de março de 2018

Meditação breve (70) Massa

Sebastião Salgado, Church gate station, 1995

Basta olhar para esse aglomerados de seres humanos que justificam o nome de massa para nos tornarmos cépticos sobre se a nossa espécie será tão plástica quanto pensa. A plasticidade nasce da vida do espírito e este só se manifesta no indivíduo. Silêncio e solidão são a pátria do espírito, mas a massa é a casa do homem.

segunda-feira, 5 de março de 2018

Biografias 8. A mulher que perdeu a face

Raoul Hausmann, Le Portrait corrigé, 1946-1947

Possuir uma face é um trabalho secreto e minucioso, um exercício de atenção ao pormenor, a construção daquilo que faz alguém irromper no olhar dos outros. A mulher que perdeu a face, perdeu-a porque nunca a teve. Faltou-lhe a atenção, o esforço e, acima de tudo, a minúcia.

domingo, 4 de março de 2018

Meditação breve (69) Premonições

Gaston Xhardez, La fenêtre volante. Prémonition à un monde futur, ca 1957-1958

Nada pior, no domínio do espírito, do que o exercício da premonição. Não é apenas porque as actividades espirituais não são um exercício de pressentimento do futuro, mas também porque o futuro nunca se ajusta aos desejos de quem se presta  a exercícios premonitórios. Não há nada mais terreno e estranho a viagens no tempo do que a vida espiritual.

sábado, 3 de março de 2018

Haikai do Viandante (353)

Alex Howitt

Um gato desliza
na sombra branca da neve.
O Inverno demora-se.

quinta-feira, 1 de março de 2018

Poemas do Viandante (674)

Ana Peters - Cádmio limão (1992)

674. extraio o limão do cádmio

extraio o limão do cádmio
e deixo-o escorrer
pela vala
de um corpo
vejo-o borbulhar
e gotejar
pela garganta
e espero sem esperança
a escuridão da eternidade

(19/12/2016)

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Biografias 7. O homem cansado

Ingmar Bergman, Wild Strawberries, 1957

Uma vida pesa sobre os ombros mais que os céus. Tem o peso dos anos, o dos desejos, o dos sonhos. O que mais pesa, porém, ao homem cansado é o que não desejou e o que não sonhou.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Da cisão do espírito

Antoni Angle, Acció Gallot, 1960

Há dias em que o espírito se cinde em mil línguas de fogo, não como o Espírito Santo portador da verdade mas como um corpo lacerado sob o efeito do chicote. Dividido, em luta consigo mesmo, perdido nessa guerra onde cada ideia é inimiga de outra ideia, o espírito sangra. Quando, exausto, se rende na sua cruz, descobre em si uma nova vida. Então, surge a aurora e o mundo retorna à infância como se tudo começasse de novo.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Meditação breve (68) Vozear

James Edward Keeler, The Pleiades, 1900

Basta um pequeno vislumbre do universo visível e tudo aquilo que designamos como fundamental, essencial ou qualquer outra coisa se reduz, na vertigem sentida, ao nada que, efectivamente, somos. E não é que o silêncio desses espaço infinitos assuste, como pensava Pascal. O que assusta é o vozear desmedido da espécie humana.

domingo, 25 de fevereiro de 2018

Haikai do Viandante (352)

Pietro Donzelli, Approdo, dalla serie Delta Del Po, ca. 1950

Um barco na margem
espera a luz triunfante.
Rio, sombra e viagem.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Poemas do Viandante (673)

Julián García Flaquer - La carpa (1981)

673. enredada na rede a carpa

enredada na rede a carpa
debate-se
tragada pelo silêncio
escuta o
vento da vida
a soprar sempre mais
                               e mais longe
e adormece
no arquipélago mudo
da morte
rente ao rugido do pescador

(19/12/2016)

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Meditação breve (67) Noite

Harry Callahan, Aix-en-Provence, 1957

De teias se tece a noite. E na tecelagem da aranha há um mistério que abre o olhar para o resplendor que, no fundo das trevas, anuncia o advento da aurora.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Haikai do Viandante (351)

Max Baur, “Im Nebel” (In the Fog) 1930’s

Névoa sobre o rio:
rumores, silêncio e água.
Sombras de Inverno.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Biografias 6. A mulher de negro

Constantine Manos - Karpathos

Não é pelos filhos que ela vela. Vestida de negro, deixa que os olhos se inclinem numa oração. No murmúrio da súplica os deuses escutam a voz do cosmos quando triunfa sobre o caos.

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Poemas do Viandante (672)

Stipo Pranyko - Instalación (1996)

672. o frágil fruto instala-se

o frágil fruto instala-se
em silêncio
nas mãos de cronos
arde se
um fósforo desliza
pela lixa dos dias
e evola-se
aspirado pelas narinas
de um arcanjo a arfar na noite

(19/12/2016)

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Meditação breve (66) Medo

Emmanuel Souge, Assia, 1935

O medo é uma sombra que se inclina sobre a débil nudez de um corpo aberto e preso à escarpa febril e fria do acontecer.