123. ROMÃ
o resto de romã
a arder na boca
a madeixa
tocada pelo vento
o silêncio entreaberto
dos lábios
tudo isso
testemunho
se aguardo
o toque dos sinos
num mar de lilases
e cristais de seda
um cão uiva
o coração afogado
na boca de lilás
nos lábios presos
ao fértil anoitecer
da breve romã
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Poemas do viandante
122. INVERNO
o crepitar da sombra
abre uma rua
de luz sob o olhar
com que incendeias
o mundo
casas árvores um rio
tudo arde na encosta
do inverno que
se anuncia
coração tolhido
pela cor extasiada
do frio
o crepitar da sombra
abre uma rua
de luz sob o olhar
com que incendeias
o mundo
casas árvores um rio
tudo arde na encosta
do inverno que
se anuncia
coração tolhido
pela cor extasiada
do frio
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Poemas do viandante
121. LINGUAGEM
a linguagem
flor obscura
que me atormenta
abre-se tempestuosa
no rumor do meio-dia
como pétalas
caem palavras
constelações de letras
um suspiro de algas
a breve folha da laranjeira
na névoa
agora desfiada
resta o eco de um nome
promessa de areia
na penumbra dos sentidos
a linguagem
flor obscura
que me atormenta
abre-se tempestuosa
no rumor do meio-dia
como pétalas
caem palavras
constelações de letras
um suspiro de algas
a breve folha da laranjeira
na névoa
agora desfiada
resta o eco de um nome
promessa de areia
na penumbra dos sentidos
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
Tudo o que não sou
A suposição de ser alguma coisa, essa herança construída pela coligação entre as gramáticas indo-europeias e a filosofia grega - onde aquelas se pensaram e tomaram consciência de si -, é a imagem de uma infância nunca abandonada. Não daquela infância onde tudo é inédito e uma ânsia conduz à descoberta do mundo, mas da outra infância, concomitante dessa, aquela em que se luta desesperadamente para se convencer a si mesmo que se é alguma coisa, que se tem um lugar no mundo e uma voz que deve ser ouvida. Aquilo, porém, que poucos confessam é que esse convencimento é precário e que, no fundo de nós, uma dúvida persistente lança uma sombra sobre o que somos, o lugar que ocupamos, a voz que fazemos ouvir. Se deitarmos borda fora tudo isso, será que perdemos alguma coisa? Posso perder tudo o que não sou. Isso bastará? Não. É preciso ir mais longe. Não basta perder aquilo que não se é. É preciso perder aquilo que se é, mesmo que não saibamos o que somos. Aí haverá, então, a esperança de encontrar a voz do coração. Não a do nosso, porque o coração que fala não tem proprietário. É só uma voz, vinda sabe-se lá de onde, que clama no deserto.
Poemas do viandante
120. A MINHA ALDEIA
a súbita fome
esse olhar que escondia
as últimas cerejas e
o cansaço de ser tão humano
disposto na luz e nas trevas
a mão hirta a rasgar oceanos
de joelhos na madrugada
deixo correr o silêncio
aí vazam os sinos –
um dia encheram de vida
o desvão da memória
a que chamo minha aldeia
a súbita fome
esse olhar que escondia
as últimas cerejas e
o cansaço de ser tão humano
disposto na luz e nas trevas
a mão hirta a rasgar oceanos
de joelhos na madrugada
deixo correr o silêncio
aí vazam os sinos –
um dia encheram de vida
o desvão da memória
a que chamo minha aldeia
quarta-feira, 28 de julho de 2010
Poemas do viandante
119. A MAÇÃ
o voo da maçã
na história
daquela mão
dança como
a nostalgia
que chega
pelos dias
de setembro
se olhas
já não vês
imagens são
pequenos pontos
de erva e vento
neles
a cegueira cresce
inundando de luz
a maçã pousada
nessa mão
o voo da maçã
na história
daquela mão
dança como
a nostalgia
que chega
pelos dias
de setembro
se olhas
já não vês
imagens são
pequenos pontos
de erva e vento
neles
a cegueira cresce
inundando de luz
a maçã pousada
nessa mão
domingo, 25 de julho de 2010
Poemas do viandante
118. VIDA
cinza abre-se
na água
que corre
daqueles olhos
um sonho
o tempo de calcário
a flauta incendiada
onde repousa
a vida perdida
entre escolhos
cinza abre-se
na água
que corre
daqueles olhos
um sonho
o tempo de calcário
a flauta incendiada
onde repousa
a vida perdida
entre escolhos
sábado, 24 de julho de 2010
Poemas do viandante
117. FUTURO
o futuro não é a rosa
ou o silêncio seco
das tardes de verão
branco como um muro
de quinta
chega quando
as andorinhas partem
- sob a tua luz -
para a inquietação
do sul
o futuro não é a rosa
ou o silêncio seco
das tardes de verão
branco como um muro
de quinta
chega quando
as andorinhas partem
- sob a tua luz -
para a inquietação
do sul
quarta-feira, 14 de julho de 2010
Poemas do viandante
116. ENIGMA
um fogo de ervas
no palácio
onde o rei
te espera
uma flor inclinada
como um enigma
na boca
da tarde
um traço de sombra
respira
no coração
que desperta
um fogo de ervas
no palácio
onde o rei
te espera
uma flor inclinada
como um enigma
na boca
da tarde
um traço de sombra
respira
no coração
que desperta
domingo, 11 de julho de 2010
Poemas do viandante
115. ÁRVORE
deixar vir
a árvore
com a sua
cegueira
espalhar
entre tufos
de joio
a sombra verde
do trigo
deixar vir
a árvore
com a sua
cegueira
espalhar
entre tufos
de joio
a sombra verde
do trigo
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