A função sintáctica do sujeito numa oração contém um paradoxo. Esse paradoxo está já presente na designação de sujeito. Na voz activa, o sujeito é aquele que pratica a acção. A ideia de praticar a acção pressupõe um princípio de iniciativa, uma capacidade de fazer acontecer qualquer coisa no curso dos acontecimentos. Esta ligação do sujeito à iniciativa parece revelar um princípio de liberdade. Livres são aqueles que estão capacitados para fazer acontecer alguma coisa. O paradoxo não se manifesta, como se poderia esperar, na transição para a voz passiva, onde o sujeito sofre a acção. O paradoxo está na própria voz activa. A relação do sujeito com o verbo que denota a acção é o centro desse paradoxo. Parece que a acção depende da liberdade do sujeito, que este é soberano no seu agir. Mas se meditarmos sobre essa relação, depressa se torna evidente a submissão do sujeito à acção que pratica, e descobrimos a dependência e passividade do sujeito relativamente à acção. A ideia de que a liberdade reside nesse poder de iniciar algo através da acção sofre um duro revés. Ao agir, o sujeito descobre-se passivo perante a sua própria acção, que o subjuga e o submete, isto é, que o torna sujeito a ela. Não é apenas a voz passiva que evidencia a natureza passiva do sujeito, a própria voz activa acaba por relevar que o próprio agente não é mais que um mero paciente.
Daí que algumas tradições falem da liberdade de uma forma paradoxal. O agir não agindo do taoísmo ou conhecer não conhecendo da mística apofática cristã são formas de sublinhar a situação paradoxal do sujeito. A liberdade começa por ser, deste modo, não a capacidade de agir ou de realizar de um sujeito, mas o resultado de um processo de libertação do sujeito relativamente à sua subjectividade e ao seu ser sujeito. Um libertação não apenas da passividade denotada na voz passiva, mas da própria actividade. O agir deverá, então, ser entendido como um processo em que quem age se deve libertar dessa mesma acção. Isto não significa que o resultado será a presença de um sujeito puro e desprendido de qualquer acção. Signifca antes o deixar fluir da acção sem ver nela e sob ela uma substância que a pratica, um sujeito poderoso, capacitado para produzir algo novo no mundo. Libertação da acção significa a libertação da acção de um sujeito e de uma subjectividade que a limitam.