sábado, 14 de setembro de 2024

Meditação breve (198) Aldeia

Francis Smith, Largo de aldeia (Petite place au Portugal), 1954 (Gulbenkian)

A doce fantasia de ver nas velhas aldeias locais de uma vida boa. Na aparente inocência de casas e pessoas, escondem-se os segredos mais terríveis, um exercício contínuo de vigilância mútua, o fogo aceso da inveja que nunca se extinguirá, uma mão sempre pronta para o crime.

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

O sal do silêncio (117)

Querubim Lapa, sem título, 1948 (Gulbenkian)
Uma perplexidade debruada pelo medo. Um espanto tocado pela incerteza. Os espectadores sonham a bailarina no palco e são por ela sonhados, como se o silêncio do encontro fosse um sinal anunciador de uma novidade transbordante de perigos e possibilidades.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Signo sinal 21. Natureza

Lucien Clergue, Maïs, Camargue, 1960

Também a natureza nos recorda a cada instante que tudo é símbolo e que cada coisa é mais do que ela, pois é signo que se entrega à nossa decifração e sinal de que neste mundo um número infinito de outros mundos se tocam e cruzam, deixando cada um deles um símbolo como atestação do segredo que lhe dá existência.

domingo, 8 de setembro de 2024

Sonetos de Verão (11)

León Kossoff, Christ Church, Spitafields, Summer, 1990

Caminhamos no sulco que outrora

foi rasgado na terra em silêncio

pelas mãos de quem veio antes de nós

e nas sombras do Estio se recolheu.

 

Murmuramos os nomes e tecemos

com a voz litanias e orações.

Damos graças e vamos pela senda

que se abriu na memória descerrada.

 

Devedores, colhemos flor e fruto.

Devedores, clamamos as vitórias.

Devedores, erguemos o espírito.

 

Somos sombras de sombras mais antigas.

Mortas, guiam os nossos passos rudes

nos caminhos por elas lacerados.

 

Setembro de 2024 

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

A memória do ar (33)

Pedro Chorão, sem título, 1977 (Gulbenkian)

O horizonte abre-se para que as memórias aéreas trazidas pelo vento possam espalhar-se pelo mundo, cobrindo de chuva a secura campos, envolvendo de verde a pedra das montanhas, estremecendo as ondas perdidas do mar, flutuando nas águas puras dos rios, cerzindo aldeias desavindas, derramando luz sobre a crueza incendiada das grandes cidades. 

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Geometrias de fogo (33)

Marc Chagall, The Sun of Paris, 1975

Um círculo do fogo no céu abre um mar vermelho no horizonte. Como veleiros, os pássaros navegam nas alturas o esplendor da luz. São anjos tocados pelo silêncio, promessas de vida abertas na folhagem da esperança, um rasto de verde no crivo aceso da paixão.

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Sonetos de Verão (10)

Hein Semke, Também AD., 1980 (Gulbenkian) 

De Setembro o cântico e a sombra,

a promessa de dias de luz amena,

de um mar revoltado no sossego

das manhãs, na volúpia do crepúsculo.

 

Somos anjos perdidos nesta terra,

submetemos o corpo e a alma

ao ditado imposto pelo tempo,

a tragédia trazida ao nascer.

 

Uma rosa translúcida cintila

sobre o mar de Setembro, sobre a luz

do crepúsculo, sobre o sal do dia.

 

Procuramos incógnitos o estado

esquecido na hora de nascer,

olvidado no tempo que se escoa.

 

Setembro de 2024