domingo, 20 de setembro de 2015

Do belo e do útil

Kazimir Malevich - Macieiras em flor (1904)

Na vida da natureza como na do espírito, o prazer estético vem antes da utilidade. Antes do fruto, desse símbolo recorrente de tudo o que é útil, vêm as flores. É com a queda da beleza que emerge a utilidade. Esta, porém, não deveria ser considerada como a mera negação daquela. Deveria, antes, contê-la, intensificá-la, sendo o fruto não apenas útil como belo. A vida do espírito não é outra coisa senão esse contínua fusão do bom, porque útil ao caminho, e do belo.

sábado, 19 de setembro de 2015

Haikai do Viandante (248)

Pablo Picasso - Casas en la colina (Horta de Ebro) (1909)

casas na colina
vistas de longe parecem
aves de rapina

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

De ruína em ruína

Juan O'Gorman - De unas ruinas nacen otras ruinas (1949)

Nunca meditaremos o suficiente sobre um símbolo tão rico como o das ruínas. Nelas não se manifesta apenas a inconsistência física dos corpos, a degradação da vida material e o efémero da construção humana. Elas simbolizam a passagem e a morte, mas como todos os símbolos as ruínas também falam da vida, do sopro do vento, do trabalho do espírito. As ruínas nascem no momento em que o espírito se retira daquele modo de existência para que a vida se afirme de uma outra e mais rica forma. O espírito progride de ruína em ruína.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Poemas para Afrodite (segunda série) 2

Nicanor Piñole - Desnudo femenino

2. Essa subtil ânsia

Essa subtil ânsia
Que te toca o ventre
Desce no meu corpo.

É luz que me acende
Se te vejo o rosto
Se te olho de frente.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Entre o caos e o cosmos

Álvaro Lapa - Sem título (1964)

A vida do espírito é vista como um mundo organizado, um cosmos em oposição ao caos. Esta visão dicotómica, contudo, falha o essencial. Toda a actividade espiritual, seja qual for a sua natureza, está entre o caos e o cosmos. Não é a completa ausência de forma nem a forma pura definitiva e eterna. Ela é o processo contínuo de transição, onde estruturas formais se libertam do caos, ganham um sentido que se desvanece pois outras estruturas tomam o seu lugar, numa busca de perfeição sempre ameaçada pelo retorno ao informe e à queda no abismo hiante.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

A aprendizagem mais difícil

Pat Steir - Nothing (1974)

Não querer nada, não desejar nada, não esperar nada. Aceitar aquilo que é enviado e abrir-se ao que nos solicita. Estas são as aprendizagens mais difíceis. São também as mais importantes. Melhor, estas são as únicas aprendizagens importantes,  as únicas decisivas.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Antropometria

Yves Klein - Antropometrias (1960)

Há palavras que nos fazem parar para as olhar bem dentro e tentar descobrir o seu sentido e o que nele se oculta. Uma palavra como aquela que dá título a uma série de trabalhos de Yves Klein, antropometria, faz-nos pensar. O que se pensa nela? A submissão do homem a um metro, a uma medida que se lhe impõe e que o submete ao jogo das comparações? Se meditarmos sobre essa possibilidade logo descobrimos que ela talvez seja o mal menor. Pior seria pensar a antropometria como a ideia sofística de que o homem é a medida, o metro, com que tudo se deve medir. Pior do que ser submetido a uma medida é ser a medida de todas as coisas.

domingo, 13 de setembro de 2015

O sopro que anima

Francis Picabia - Animação (1914)

Toda a vida espiritual é um exercício de animação. Em latim anĭma (alma) significa também sopro, ar. Possuir alma significa ter recebido o sopro, ter sido insuflado. A vida do espírito é, em primeiro lugar, preparação e abertura para receber o sopro que anima, que dá alma; depois, é também a transmissão desse sopro em cada momento da vida. Salvar a alma significa ter a capacidade de ser insuflado e de insuflar. Perder a alma não é mais do que a incapacidade de receber o sopro, o vento que corre onde quer.

sábado, 12 de setembro de 2015

Poemas para Afrodite (segunda série) 1

José Gutiérrez de la Vega - Maja sevillana

1. Desço em teus olhos

Desço em teus olhos
E vejo o mundo.

Toco a tua pele
E bebo a água
Onde me afundo.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

O momento oportuno

August Macke - Pescadores no Reno (1905)

Esperar como um pescador espera. Sentar-se na margem do rio, ver as águas fluir, deixar o tempo passar até que chega hora em que o peixe vem e puxa a linha. Toda a vida espiritual não é outra coisa senão o aguardar do momento oportuno, a hora em que aquilo que é essencial se revela. A viagem na sequência infinita de Chronos interrompida pela súbita irrupção do Kairós.