segunda-feira, 20 de abril de 2015

Mapas e territórios

Frantisek Kupka - Arquitectura filosófica (1913-1923)

Quando ouvimos falar de arquitectura filosófica pensamos de imediato numa densa rede de conceitos organizada e sistemática. Como é que o viandante lida com tal dispositivo intelectual? Ficará seduzido e pensará que a sua viagem é produzir ideias? Esse é um perigo. Contudo não se devem rejeitar essas redes de conceitos. São mapas para a viagem. Indicam o caminho do espírito mas não são a própria vida do espírito. Quem, na plena posse da sua razão, confundirá mapas com o territórios?

domingo, 19 de abril de 2015

A janela aberta

Pierre Bonnard - La fenêtre ouverte (1921)

Tudo na vida dos homens tem o poder de se tornar símbolo de alguma coisa que o ultrapassa. Uma janela aberta não é apenas uma janela aberta mas o símbolo metafísico de uma abertura para a transcendência. A janela é a abertura simbólica que permite ao viandante transitar da imanência à transcendência, aventurando-se no além com todos os perigos e todas as promessas  que esse além contém.

sábado, 18 de abril de 2015

Um jubiloso amanhecer

Albert Dubois-Pillet - The Marne River at Dawn (1888)

Quando a luz rompe as trevas - nessa hora jubilosa do amanhecer - tudo parece ainda possível. O corpo e o espírito sentem-se tocados por uma promessa e a alma regurgita de energia. Mas tudo começa logo a decair, como se a promessa fosse esquecida e o ânimo se dispersasse nas horas que passam. Chega então o tempo em que o viandante se deve superar e esperar a graça que o fará continuar na viagem, como se cada hora fosse ainda e sempre um jubiloso amanhecer.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

O homem livre

Felix Vallotton - The Wind (1910)

O vento sopra onde quer; ouves-lhe o ruído, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim acontece com aquele que nasceu do Espírito.  (João 3:8)

Nunca deixa de me espantar a visão da liberdade trazida por João. A liberdade do espírito é analogada ao vento e este é visto como possuindo uma vontade que determina onde soprar. O homem perfeitamente livre - aquele que nasceu do espírito - não apenas possui uma vontade livre, mas move-se numa outra dimensão que não a da necessidade, a dimensão que cabe aos homens que apenas nasceram da carne. Move-se de e para onde toda a necessidade cessou. 

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Haikai do Viandante (229)

Meyer Schapiro - Abstraction (1963)

mundos de carvão
abrem-se na primavera
luz que te espera

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Do bárbaro e do civilizado

Alejandro Xul Solar - Bárbaros (1926)

Habituámo-nos, devido a uma longa tradição, a pensar o bárbaro por oposição ao civilizado. E o civilizado é aquele que possui a virtude da racionalidade cívica. Se olharmos, porém, com atenção para essa racionalidade cívica em acção descobrimos de imediato quanto ela é bárbara, destituída de espírito, fundada na alienação de si mesmo ou na redução à máscara com que escondemos a nossa impotência para responder à voz que nos chama.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Paisagens desconhecidas

Jean Metzinger - Landscape (1904)

O estranho silêncio das paisagens desconhecidas abre-se perante o espanto do viandante. E ele não sabe o que mais admirar, se a novidade com que os seus olhos se deparam ou se o silêncio com que é recebido. E assim penetra no desconhecido à espera de um sinal que lhe indique o caminho ou de uma voz que o chame.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Do abandono de si

Roberto Matta - Uma situação grave (1946)

Nas mais graves situações o nosso impulso é agarrarmo-nos a nós mesmos e mobilizar, no sentido militar do termo, todas as nossas forças para enfrentarmos o inimigo que nos assedia. Mas haverá um outro caminho, aquele em nos soltamos e abandonamos completamente e nos entregamos à Vontade que nos ultrapassa e que, perante o abandono da nossa, quererá em nós.

domingo, 12 de abril de 2015

Poemas do Viandante (504)

Edward Hopper - Morning Sun (1952)

504. no trânsito destes dias

no trânsito destes dias
cresce uma sombra

traz nela uma promessa
de frutos ao vento

traz nela uma melodia
feita de luz e rosas

no trânsito destes dias
sol e esquecimento 

sábado, 11 de abril de 2015

Ofícios e profissões

Joaquín Mir - Carpinteiro

O que distingue um antigo ofício de um profissão moderna? Esta ou é meramente rotineira ou exige conhecimento técnico; por vezes, ambas as coisas. Nela, porém, tudo se reduz à eficácia, nada mais possibilitando ao homem do que um contacto superficial e, muitas vezes, patológico com o mundo material. Os antigos ofícios continham neles uma possibilidade que se nos tornou estranha. Pelo afeiçoamento da matéria, pela excelência e virtuosismo dos actos, o artesão tinha a possibilidade de encontrar no seu quotidiano o caminho onde poderia realizar a viagem espiritual. Um ofício era um caminho possível para o espírito, uma profissão é uma corrida sem destino nem proveito para a alma.