segunda-feira, 21 de julho de 2014

Perder-se no infinito

Lennart Olson - Cangas de Onis III (1991)

Onde vão dar os caminhos que levam a lado nenhum? Esse nenhures é, em primeiro lugar, o sinal da finitude do viandante. Seja qual for o sítio onde se encontre ou para onde se dirija, devido à sua finitude, o viandante está ou estará em lado nenhum. Esta é, porém, uma visão nascida da fragilidade de um ser finito. Nenhures é, na verdade, o signo do infinito, daquilo que não tem fim. Toda a viagem tem como finalidade que o ser finito se perca no não finito, no infinito que, sem limites, o aguarda.

domingo, 20 de julho de 2014

Na imensidão do mar

JCM - Devaneio (2014)

Como um barco solitário na imensidão do mar, também o viandante se dirige a um porto. Quem olha de longe julga que ele vai imerso num devaneio desmedido, mas ele sabe que aquela é a realidade. A mais autêntica realidade, pois é a sua, aquela a que apenas ele pode, na imensidão da vida, aceder. 

sábado, 19 de julho de 2014

Poemas do Viandante (465)

Susan Burnstine - Transit

465. espero-te neste lado

espero-te neste lado
da velha fronteira

vem sem medo nem cuidado
na noite primeira

para que o sol incendiado
te faça fogueira

sexta-feira, 18 de julho de 2014

A frágil bondade

Etienne Cabran - Almost fragile

A viagem espiritual não é um exercício em que o prazer, a liberdade ou  mesmo salvação do viandante sejam o motivo e a finalidade do pôr-se a caminho. O que está sempre em jogo é a protecção daquilo que é frágil, a começar, para usar um título feliz de Martha Nussbaum, a fragilidade da bondade. Não há, no mundo dos homens, nada mais frágil do que a bondade. Risível, vilipendiada, desprezada, abandonada, a bondade, aquilo que tem origem no supremo Bem, chama cada homem a protegê-la na sua fragilidade.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Puras silhuetas

Man Ray - Silhouette of Lee Miller, Paris (1930)

Entre as trevas que se temem e a luz que não se suporta, repousamos na sombra como quem encontra o compromisso certo que permite a continuação da vida. E tudo o que somos, pensamos, fazemos e sofremos vem marcado por esta condição sombria, por esta mistura que nos torna em puras silhuetas.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O imperativo musical

Ferdinand Schmutzer - Vienna (1901)

Escondestes estas verdades aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos. (Mateus, 11:27)

O que solicita a música ao espírito do homem? Que ele diminua, que se torne pequenino. Que o homem se torne pobre em espírito! Eis o imperativo musical. A música, como se fosse a emanação de um outro mundo, não se dirige à razão, mas ao que está acima dela e quer tornar-se o próprio do homem, a sua propriedade, a sua natureza.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Haikai do Viandante (196)

 

no escuro ramal
nas velhas folhas sombrias
a luz é sinal

segunda-feira, 14 de julho de 2014

A via do sonho

W. Eugene Smith - Street of Dreams. Pittsburgh, Pennsylvania (1955)

Pensa-se muitas vezes a vida do espírito como destituída de ligação ao real. Não seria mais do que um longo devaneio pela rua dos sonhos, um exercício onírico de fuga ao trágico da existência ou uma incapacidade de afirmação da vontade de poder. A verdade, porém, é que a vida do espírito nasce da atenção ao trágico da existência e do abandono de todos os sonhos que a  vontade de poder faz nascer no homem. O caminho espiritual nasce onde o delírio onírico acaba.

domingo, 13 de julho de 2014

Poemas do Viandante (464)

Serge de Sazo - Paris (1960)

464. eis as trevas que me assombram

eis as trevas que me assombram
no meio da cidade

entre elas fantasmas dançam
sem luz nem idade

velhas imagens que cantam
ao som da verdade

sábado, 12 de julho de 2014

Razão de ser

Fred Stein - Fountain, Paris (1935)

O olhar fascinado por uma fonte, pelo fluxo de água vinda não se sabe de onde, é o sinal de que um mistério toca, naquele momento, o espírito dos homens. Não é apenas a simbolização do nascimento que nos espanta devido ao segredo que habita todas as origens. É porque ali, na imagem de uma fonte, se encontra aquilo que nos motiva, como se o voltar sempre e sempre à origem fosse a nossa razão de ser.