terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Na orla do bosque

Camille Pissarro - Lisière d'un bois (1879)

Estar na orla do bosque é permanecer na fronteira, nessa linha imaginária que separa dois mundos. Ali o viandante hesita, talvez tomado pelo pânico, talvez forçado pela tradição do cálculo. O que ganha e o que perde? O medo ou a interrogação retêm-no nesse lugar ensombrado. Terão mais força os velhos hábitos ou a voz que o chama conduzirá o seu desejo? É na fronteira, nesse espaço irreal, que os homens, indecisos, acabam por dissipar o tempo. Fugir ou adentrar-se no obscuro território que está para além da raia, eis o dilema onde a vida se dissolve.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Ocaso

Jaime Burguillos - Ocaso (1976)

Não é quando o Sol se põe e a noite desce que a viagem termina. O poente é antes o sinal de partida. Ao viandante espera-o a noite escura, a noite onde tudo se dissolve e o velho sentido das coisas é arrastado para o nada donde saiu. 

domingo, 16 de fevereiro de 2014

A fonte originária

Valentín Albardíaz - La fuente de doña Inés (1994)

O alfa e o ómega, o princípio e o fim. Não traçarão eles um caminho linear que de um levará ao outro? No princípio não nos será já apontado o fim, ao qual acederemos como mais ou menos rectidão? Mas se tudo isso resultar duma visão distorcida? Se isso acontecer, então o alfa e o ómega serão o mesmo, assim como o princípio e o fim. Podemos chamar fonte, a esse lugar donde tudo parte e aonde tudo deve regressar. O princípio é já a causa final da viagem iniciada. Os dois são a fonte originária donde proviemos e que nos aguarda.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

O turista e o peregrino

José Bellosillo - Adentrándome (1992)

Há duas formas de fazer o caminho que se abre ao chegarmos à vida. Podemos ir de estação em estação, percorrendo múltiplos e diversos caminhos como se, apesar da diferença, fossem o mesmo. Podemos, todavia, fazer o caminho sem sequer sairmos do local que nos cabe, penetrando-o mais e mais, percebendo a sua espessura, compreendendo-o na diferenciação que constitui a sua identidade. No primeiro caso, escolhe-se a via do turista. No segundo, a do peregrino.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Poemas do Viandante (450)

Francisco Soto Mesa - 3.98.1 (1998)

450. O súbito entrelaçar

O súbito entrelaçar
dessas mãos vazias.

O pássaro esquecido
na sombra do medo.

São flores incendiadas
no chão da floresta.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

De sombra em sombra

Lucio Fontana - Ambiente spaziale (Labirinto bianco) (1968)

Criar a penumbra para que a luz possa vir. Os homens são frágeis e não está na sua condição suportar demasiada luz. Por isso, é necessário que ela chegue até nós intermediada por uma e outra cortina. De sombra em sombra, o homem trilha o infinito caminho para a luz.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A viagem angustiada

Giorgio de Chirico - A viagem angustiada (1913)

Certas correntes de pensamento viram na angústia uma experiência pela qual se tomava consciência do ser, daquilo que é. Mas não será precisamente o contrário? Não será já a experiência viva do ser e da sua infinitude que gera uma consciência angustiada? Na angústia, a consciência confronta-se com o perigo da perda, com a atracção pelas ilusões que nos oferecem a possibilidade de trocarmos o ser pela aparência. Na angústia, revela-se assim o medo da nossa incapacidade de persistir no ser, o temor pelo não-ser.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Haikai do Viandante (175)

Albert Rafols Casamada - Blanco (1960)

as brancas paisagens
são sombras de velhas árvores
ramos e folhagem

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Entrar no bosque

Piet Mondrian - Bosque (1912)

Entrar no bosque é deixar o mundo da vida activa. Não se trata de uma viagem turística ou de uma mera transição entre reinos. O bosque espera aquele que, solitário e esquecido dos interesses humanos, procura a palavra que na eternidade chamou por ele. Ao entrar, o silêncio toma conta do seu coração e todo o seu ser é, nessa hora, um puro acto de escuta.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Na ira dos elementos

Antonio Muñoz Degrain - O Tejo. Chuva

Nos dias como o de hoje, onde a natureza parece revoltada e, na sua raiva, ameaça a frágil disposição dos objectos humanos, a relação do homem com a terra parece emergir naquilo que tem de mais fundamental. O homem sente-se pertença daquilo que o ameaça e escuta na ira dos elementos o seu próprio grito.