quinta-feira, 22 de abril de 2010

Poemas do viandante

92. OS QUATRO ELEMENTOS: AR

nem sempre é naufrágio
o que derrota os barcos
e devolve o marinheiro a terra

nem sempre é medo
o que cala o solitário
e na escuridão o encerra

há ainda o vento
sopra onde quer
e para aqui ou ali te leva

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Poemas do viandante

91. OS QUATRO ELEMENTOS: FOGO

o lume arde
nesses dedos
cobertos de seda
vestidos de cambraia

o lume é uma máquina
decepa as mãos
na vindima ardente
de uma ilusão

sonhos são sedas
e cambraias a arder
nos dedos mecânicos
da decepada mão

lume
o sonâmbulo sonho
onde te escuto
sob a copa desta faia

terça-feira, 20 de abril de 2010

Poemas do viandante

90. MÃO QUEBRADA

uma ligeira comoção
a nortada uivava
e o coração desordenado
crescia
tumor ancorado
na falência das células

nasci sob o princípio de incerteza
a mão quebrada
o toiro cantando
na solidão da arena
a tua voz ao longe a sussurrar
no desamparo de mim

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Poemas do viandante

89. PALAVRAS

as palavras ditas
véspera das que hão-de vir
cobrem de rugas
o palácio

deixam um hálito vulcânico
sobre a mesa
um longo verão
sem pão e vinho

o rosto
pássaro pousado
na sóbria memória

chamaste-lhe morte

domingo, 18 de abril de 2010

Poemas do viandante

88. CANTO

um frio silêncio caiu
a pedra branca talhada
indício de fogo e gelo
o espaço feito noite
a palavra desaguada
sacudida de esperança

canto
é tudo o que resta
se a sombra de tuas mãos se vai

canto
no frio silêncio do gelo
no fogo da palavra
no espaço sem esperança

canto
e a súbita primavera ateia

de flores o velho castanheiro

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Poemas do Viandante (86)

Asher Brown Durand - Forest in the Morning Light (1855)

86. De que vale

De que vale
o refúgio
na floresta,
se a noite

morre
na luz da manhã?

Indecisa,
exígua,
rio sem margens,

a luz chega
e anoitece
o coração.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Poemas do Viandante (85)

Georgia O'keeffe - White Rose and Larkspur (1900)

85. A rosa branca

A rosa branca
do abandono
trago-a comigo.
Dorme na noite,
relâmpago
coberto de nuvens
e vento da floresta.
Quando se abre,
a terra treme,
e um império nasce
na água do mar.

domingo, 11 de abril de 2010

Poemas do Viandante (84)


Francis Bacon - Figura tumbada en el espejo (1971)

84. Quando o espelho

Quando o espelho 
se abre,
vejo de mim
o velho rival.

Canta, pássaro
nocturno.

Se o escuto
perco a luz
e oiço o rumor
do feroz animal.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Poemas do Viandante (83)

Salvador Tuset - Anticoli (1913)

83. Junho

Junho
abre-se.
Refúgio
de luz,
ardor
de rosa,
incêndio
de matagal.

domingo, 4 de abril de 2010

Poemas do Viandante (82)

Pablo Picasso - Cabeça de Fauno (1937-1938)

82. Ausentou-se

Ausentou-se,
perdeu o limiar
e a voz ecoou
na noite desabrigada.

Ao ir pelo mundo,

o viandante rodopia 
no centro da vida.
 

Fauno nas trevas, 
anjo sobre a cidade,
a escura luz
destes versos.