quinta-feira, 14 de junho de 2012

Cegueira e sabedoria

Manuel Vega - Caravana de ciegos (1919)

Édipo não é sábio quando responde ao enigma da esfinge nem quando se torna rei de Tebas. A verdadeira sageza chega quando, perante a verdade do seu casamento com Jocasta, ele se cega. Também é no estado de cegueira que Paulo de Tarso acede à suprema sabedoria. Há toda uma tradição que assenta no paradoxo da necessidade de ser cego para poder ver. Como compreender isto? Vale a pena voltar ao livro A da Metafísica de Aristóteles, ao seu início: "Por natureza, todos os homens desejam saber. Um sinal disto está no prazer que têm nos seus sentidos; para além da sua utilidade, eles são amados por eles mesmos; e acima de qualquer outro o sentido da visão. Não apenas quando se visa a acção, mas mesmo quando não se está a fazer nada, preferimos a visão a todos os outros sentidos. A razão é porque a visão, mais que os outros, faz-nos saber e traz à luz muitas diferenças entre as coisas".

O prazer de ver, esse prazer enraizado na nossa natureza, vai muito para além da sua utilidade, permitindo ao homem uma determinada forma de saber. Ora o que o texto de Aristóteles nos diz é que esse saber tem uma natureza analítica, ele faz-nos ver as diferenças, permite introduzir cortes na realidade global. A particularização e especialização que o sentido da vista permite e fomenta acabam por tornar-se numa espécie de alienação e de enviesamento. Preso no prazer de ver, o homem entrega-se  ao divertimento da diferenciação, ao prazer da multiplicação de aspectos da realidade que, desse modo, são cindidos e tornados independentes.

Este saber visual torna-nos cego para a unidade da realidade, prende-nos na multiplicidade e nos jogos que essa multiplicidade permite. O saber natural, por prazer que vê, apenas permite um saber que não é sábio e não o é porque, seduzido que está pela capacidade de diferenciar, é incapaz de perceber a unidade de tudo, o sentido dessa unidade. Por isso, várias tradições sublinham a necessidade da cegueira para ver. Ver não o particular, mas o universal, o todo, aquilo que as diferenças escondem. O mundo é uma caravana de cegos, de cegos que o são porque dependem da visão e do prazer que ela permite. Tornar-se cego para ver é o caminho da sabedoria.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Poemas do Viandante (272)

Kazimir Malevich - River in the Forest (1908 ou 1928)

272. MALEVICH, RIVER IN THE FOREST

as horas em que nos perdíamos
um sonho de falcão
uma ânsia de alturas
são agora um reflexo sombrio
nas águas frias
traços amargos a romper
caminhos na floresta
chaga na memória

terça-feira, 12 de junho de 2012

Haikai do Viandante (84)

Jackson Pollock - Cottonpickers (1935)

em silêncio a mão
sob um céu de cinza azul
colhe o algodão

segunda-feira, 11 de junho de 2012

O espírito e a obediência

Hans Baldung Grien - Adan (1520-1523)

O acto que está na origem da desordem espiritual do homem foi um acto pelo qual Adão se separou de Deus, de si mesmo e da realidade que o envolvia. Foi a ruptura deliberada da comunhão existencial que dava a Adão a sua plena realidade e o fazia participar naquela que existia à sua volta. Por um acto de puro orgulho, sem o menor traço de sensualidade, de paixão, de fraqueza, de erotismo ou de medo, Adão põe um abismo entre Deus, ele e os outros. [Thomas Merton (1969). Le Nouvel Homme. Paris: Éditions du Seuil, p. 82]

Como compreender a insistência a outrance da Igreja Católica no princípio de obediência? A obediência, entendida como submissão a uma autoridade, é um elemento estrutural de múltiplas instituições. Sem ela, sem a submissão dos cidadãos à autoridade politicamente constituída, um Estado não funciona. Um exército estará condenado à derrota se o princípio de obediência à hierarquia não for seguido de forma indiscutível. Outras instituições, como escolas, empresas, clubes desportivos, etc., só funcionam fundadas, ainda que de forma matizada, no princípio de submissão à autoridade.

Poder-se-ia pensar que todas estas relações de obediência à autoridade são idênticas às relações de obediência que a Igreja Católica exige dentro de si. No entanto, isso não é verdade. Em todas as instituições onde o princípio de obediência tem um papel, ele é sempre, apesar de estruturante, instrumental. A obediência do cidadão à lei, do soldado à hierarquia, dos jogadores ao treinador, dos alunos aos professores, em todos estes casos visa-se sempre outra coisa: a ordem cívica, a vitória militar ou desportiva, a aprendizagem. A obediência no campo espiritual, aquela que é exigida pela Igreja Católica, contudo é um fim em si mesmo e não um mero meio para se atingir alguma coisa..

Só se pode compreender essa obediência, se se entender o que está em jogo. Ao colocar de lado as leituras pueris do mito de Adão e Eva, Thomas Merton, no trecho supra citado, abre um caminho para compreender essa obediência. O pecado original, como ressalta do texto, não tem nada de erótico ou sensual. O que, na mitologia judaica, perdeu o homem foi a revolta e o orgulho. O que significa esta revolta e este orgulho? A perda da verdadeira realidade do homem, a sua diminuição ontológica, o que é figurado por um corpo frágil e mortal, por uma vontade fraca e corruptível. A obediência é o exercício contrário ao acto de orgulho de Adão. Aqui a obediência não é um comportamento estratégico que vise, no fim, uma reintegração no estado anterior à revolta adâmica. A obediência, do ponto de vista espiritual, é símbolo e prática efectiva desse estado que Adão recusou. 

A submissão à autoridade espiritual é o elemento estrutural da viagem do espírito, porque ela é o exercício e a vivência do estado prévio à Queda. Tudo isto não significa que a Igreja Católica não use a obediência de forma instrumental, mas, contrariamente a outras instituições, ela fá-lo porque a obediência à autoridade é o princípio central do cristianismo, cujo arquétipo reside na submissão de Cristo, o Filho, à vontade do Pai, submissão até à morte, e morte de cruz. Isto, porém, só é inteligível a partir da compreensão da Queda adâmica e da perda ontológica que ela significa.

domingo, 10 de junho de 2012

Haikai do Viandante (83)

Jackson Pollock - Blue Poles, Number 11 (1952)

uma seara densa
campo onde nasce a luz
daquele que pensa

sábado, 9 de junho de 2012

Viagem para si

Mario Sironi - Ciclista (1916-1920)

Primeiro os animais e depois as máquinas foram os meios que o homem inventou para imprimir velocidade à viagem. Nada mais estranho, porém, à viagem do que a velocidade. O caminho faz-se não para nos deslocarmos de um ponto para outro, mas para descobrirmos que o ponto de partida e o de chegada é o mesmo. Se assim é, que interesse tem a velocidade a que o corpo se desloca? O viandante não pretende ir de A para B, mas coincidir consigo mesmo, com aquilo que o constitui e o institui, no lugar onde está. Quanto mais lenta for a deslocação, mais intensa é a viagem. O ideal regulador de quem caminha é a pura possibilidade de permanecer estático.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Da adoração dos ídolos

Umberto Boccioni - Idolo Moderno (1911)

Se há característica específica do tempos modernos, essa é a da idolatria. Perante o desafio da vida e as exigências da viagem em direcção a si mesmo, o homem moderno de tudo faz um ídolo onde se aliena e se perde. A idolatria é a fuga perante o espírito, a deificação da materialidade evanescente, das pequenas coisas que a nossa faculdade de desejar toma como objecto momentâneo de prazer. No exercício idolátrico, contudo, cada ídolo arvorado pelo homem sofre, apesar do culto prestado, uma diminuição no seu verdadeiro ser. Um ídolo nasce da separação da realidade a que pertence.  É esse corte que permite a aparente absolutização que está presente na adoração. Mas essa separação destrói as ligações que mantêm na realidade o ente idolatrado, o tornam em nada, o despem de todo o conteúdo ontológico. É este nada, e não mais do que ele, aquilo que a coisa adorada tem para oferecer ao adorador. O niilismo não é outra coisa que o processo de idolatria em curso há séculos. Sob o efeito do ídolo arquetípico, o homem transforma-se à sua imagem e semelhança, isto é, toma o nada como a sua efectiva natureza.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Poemas do Viandante (271)

Kazimir Malevich - Por la mañana, después de la tormenta, en la aldea (1912)

271. Malevich, Por la mañana, después de la tormenta, en la aldea

veio a neve
incendiou a noite
trouxe clarões de seda
sobre as ruas

e na brancura da tempestade
o sol inscreveu
frio e cortante
o sopro do dia

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Haikai do Viandante (82)

Jackson Pollock - Alchemy (1947)

súbita alquimia
transforma o chumbo nocturno
em oiro do dia

terça-feira, 5 de junho de 2012

O peso da sombra

Francis Bacon - Study for a Portait of Van Gogh V (1957)

Aquilo que pesa na viagem não é a materialidade do corpo. O grande obstáculo, o que está submetido ao império da gravidade, o que torna o passo mais lento é o peso da sombra. Quanto mais baixo estiver o sol, mais pesada se torna a nossa sombra. Ao nascer, a sombra é apenas uma possibilidade. Ao avançar na vida, a sombra pega-se a nós, cresce desmesuradamente, torna-se opaca, sólida. O pobre viandante está condenado a arrastar atrás de si essa sombra que foi acumulando. Sábio seria o homem que, ao viver, nunca acumulasse sombra, pois caminharia leve e nada o reteria na viagem. Mas nascemos sem sabedoria e, conforme a vida se vai desenrolando, mais longe ficamos dela, até que, vergados ao peso da sombra, ficamos estáticos e entramos no reino das sombras, onde a morte espera silenciosa por nós.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Haikai do Viandante (81)

Jackson Pollock - Convergence (1952)

este estranho mapa
traça rios na floresta
sob um sol que mata

domingo, 3 de junho de 2012

Poemas do Viandante (270)

Kazimir Malevich - Mujer cogiendo flores (1908)

270. MALEVICH, MUJER COGIENDO FLORES

colho-te  no olhar
a pele nua
e em cada flor
uma pétala voa
pássaro de água
no sussurro da rua

sábado, 2 de junho de 2012

Haikai do Viandante (80)

Jackson Pollock - Galaxy (1947)

galáxias de tinta
nascem dos olhos e mãos
astros de quem sinta

sexta-feira, 1 de junho de 2012

A pobreza mais radical

Jiri Georg Dokoupil - Cuadro de neumáticos beige gris (1991)

Um rasto é aquilo que a vida vivida deixa atrás de si. Por vezes, confundimos a memória, esse estratagema da ilusão de si, com o acontecido. Mas este desvaneceu-se, pulverizou-se, foi deglutido pela gula de Cronos. O que fica são traços, leves sinais, um risco no tampo da mesa, o rasto de pneus no alcatrão da vida. Incapazes de suster o momento, de permanecer perante o instante, sublimamos a nossa impotência olhando o que deixámos para trás ou refugiando-nos na expectativa do que há-de vir. Reside aqui, nessa impossibilidade de coincidir com o tempo onde existimos, todo o desconforto da espécie humana. Por isso, evadimo-nos ora para o passado ora para o futuro, como se fosse impossível fazermos do presente, desse presente pontual onde somos o que somos, a nossa casa. A nossa pobreza, aquela que é mais radical, não se encontra no facto de termos sido pobres ou no de o virmos a ser. Ela reside no simples facto de não encontramos abrigo no tempo presente.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Transparências

Eva-María Wilde - sem título (2000)

Tudo o que é transparente oculta, esconde, desvia o olhar. Quantas vezes sonhamos com uma consciência, a nossa, transparente a nós mesmos, para que nessa transparência possamos descobrir os motivos mais próprios do que amamos e desejamos ou dos nossos ódios mais fundos? Mas mal olhamos para essa consciência, logo que fazemos incidir a luz sobre ela, tudo se começar a turvar, a tornar sombrio, até que a opacidade mais densa cai sobre nós. Quem evidencia grandes e alegres transparências do seu ser muito quer ocultar. Devemos, por motivo de precaução, desconfiar da transparência dos outros. Da nossa, porém, devemos duvidar por uma questão de probidade.

Haikai do Viandante (79)

Jackson Pollock - Mural (1943)

estamos tão perto
uma girândola de cores
o espaço deserto

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O desejo fragmentado

Kurt Schwitters - Los Angeles (1943)

Será a realidade uma colagem de fragmentos ou a sua imagem fragmentada resulta das múltiplas intencionalidades do nosso desejo? Relativos e finitos, suportamos o peso de uma faculdade de desejar sem limites. Coisas, objectos, uma paisagem, por vezes o sorriso outras um olhar, depois o toque de uma pele, para chegar a vez de um sonho ou de uma ilusão, tudo isto entra por nós, revolve-nos, cria uma dinâmica, estabelece um desequilíbrio no sistema hidráulico que nos liga ao mundo. Cindidos, fracturados, num mundo em estilhaços, desejamos o Absoluto, esse exercício de libertação das tiranias da relatividade. Este, porém, não desarma e sussurra: descobre-me em cada fragmento, naquele olhar que amaste, na pele que desejaste, no objecto que te fez sonhar, na dor a que fugiste. Estou aí, estou em cada lugar onde o mundo se estilhaça e decompõe, sou o ser em tudo o que deixa de ser, o desejável de cada desejo. Sou o teu desejo e a coisa desejada, sou a intenção desejosa e o prazer consumado.

Haikai do Viandante (78)

Jackson Pollock - Landscape with Steer (1935-37)

vento na paisagem
rasga a terra e para o céu
abre uma passagem

domingo, 27 de maio de 2012

Poemas do Viandante (269)

Kazimir Malevich - Airplane Flying (1915)

269. MALEVICH, AIPLANE FLYING

um voo de sisal
e os teus dedos
negros e amarelos
vermelhos e belos
escrevem segredos
num céu de cal

sábado, 26 de maio de 2012

Haikai do Viandante (77)

Jackson Pollock - Totem Lesson II (1945)

animais totémicos
cuidam da vida no mundo
dos homens anémicos

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Haikai do Viandante (76)

Jackson Pollock - Totem Lesson I (1944)

quimera ardente
guarda a noite em silêncio
louca e paciente

quinta-feira, 24 de maio de 2012

A sabedoria do não saber

Max Ernst - Oedipus Rex (1922)

Todos esses fantasmas que transportamos em nós, essas sombras que cresceram no lugar onde o medo abriu brechas, são sintomas de um espírito pouco ciente do seu caminho. Não é que a sabedoria nos diga qual o caminho, que passos deveremos, com segurança e certeza, dar a cada momento. O caminho faz-se sem mapa, sem bússola, sem roteiro de viagem. A sabedoria está apenas no aceitar da incerteza, está em fazer da não ciência a única ciência que podemos e devemos transportar. Quando se chega aqui diz-se: não sei para onde vou, mas vou. Abandonados à peregrinação, ela tratará de trazer novos caminhos e outras metas, ela guiará o viandante que se entregou à volúpia do caminho. Na pura entrega à viagem, o medo e as sombras perderam o lugar que tinham tomada dentro do viajante.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Haikai do Viandante (75)

Jackson Pollock - Echo (1951)

traços negros traços
sobre fundo branco lembram
súbitos abraços

terça-feira, 22 de maio de 2012

Haikai do Viandante (74)

Jackson Pollock - Blue (Moby Dick) (1943)

a velha baleia
ainda no azul do mar
um fogo ateia

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Haikai do Viandante (73)

Jackson Pollock - Circuncisión (1946)

um pássaro voa
e na planície o verde 
do azul destoa

domingo, 20 de maio de 2012

Poemas do Viandante (268)

Chenu - Los Rezagados; Impresión de Nieve (1875)

268. CHENU, Los Rezagados; Impresión de Nieve

um lírio pelo chão
e um manto de cinza
cobre o céu

o inverno chegou
animal furtivo
perdido nos laços
do velho caçador

o meu coração balança
agita-se e espera
por ti no lugar 
onde a neve poisou

sábado, 19 de maio de 2012

Do relativo perante o absoluto

Frank Auerbach - Euston Steps (1981)

Passo a passo, degrau a degrau. Assim nos aproximamos do Absoluto, pensamos. Não será, porém, incomensurável a nossa relatividade e o Absoluto a que nos propomos chegar? Essa alteridade não será uma barreira? Sim, mas essa barreira está toda no nosso olhar. Não há degrau que nos leve ao Absoluto, nem passo que faça avançar no caminho. Estamos mergulhados no Absoluto, apenas a nossa relatividade nos cega e leva-nos a imaginar um caminho, uma escada, uma meta, um fim. Mas tudo isso são fugas da luz, de uma luz que, de tão intensa, é negra e cega.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Haikai do Viandante (72)

Van Gogh - Cabañas con techo de paja (1890)

Palha por telhado,
um súbito tom de azul
no tempo cansado.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Desinventar a linguagem

Max Beckmann - Embarcadero de hierro

Sou uma ponte, não aquela que liga o animal ao super-homem, mas a que vai daquele nada de onde vim para esse outro nada para onde me dirijo. Será, porém, alguma coisa essa ponte que liga dois nadas? Não. A ponte ainda é nada. Quando falamos em nada, enredamo-nos de imediato nas dicotomias e simplificações da linguagem, nas armadilhas da lógica, nas seduções da retórica. Quem nos disse que o nada tem por contrário o ser? Quem nos garante que o nada de onde vim é o mesmo para onde vou ou aquele que sou? Tantos lugares comuns, tantos espaços cansados pela utilização quotidiana. Precisamos de rasgar as gramáticas, esquecer a lógica e refazer o dicionário. Talvez Deus, que despreza a gramática, confunde-se com a lógica e só conhece uma palavra, se aproxime de nós ou nós dele. O homem não é o pastor do ser, mas o nada que tem por missão abrir crateras no tecido da língua. O homem é a ponte que leva de um a outro silêncio. Precisamos de desinventar a linguagem.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Poemas do Viandante (267)

Degas - Patio de una casa en Nueva Orleans (1872)

267. DEGAS, PATIO DE UNA CASA EN NUEVA ORLEANS

os dias de inocência
tecidos de animais
e pequenos jardins
são primaveras
perdidas nas folhas
de um velho calendário

se fosse orfeu
pegaria na lira
e deixaria correr
a água do rio
entre as minhas mãos
ávidas de terra
esquecidas dos dias
em que o anjo solitário
olhava para mim