O medo e o desejo são dois grandes obstáculos à vida do espírito. O medo conduz, muitas vezes, à fuga do mundo, ao retirar-se para um lugar especial onde não se possa, imaginariamente, ser atingido pela torrente da vida, a qual contém em si a própria morte. Temer o outro, o estranho, a exuberância da natureza, as ameaças da tecnologia. São múltiplas as figuras que parecem fundar o medo. Por seu turno, o desejo lança-nos sobre os seus objectos, incentiva a voracidade, o projecto de captura e de dominação da coisa ou da pessoa desejada. Entre o medo e o desejo, o espírito vive aterrorizado pelo fascínio que estas experiências exercem sobre ele. Ora o medo e o desejo contaminam a vida e a realidade com estas projecções da subjectividade, deformam-nas e tornam-nas uma cadeia que se abate inexoravelmente sobre a pessoa. A vida espiritual lida fundamentalmente com este medo e este desejo. Não se trata de eliminar o medo ou o desejo. Trata-se de os reconhecer naquilo que são e de reconhecer como eles pervertem a nossa relação com o mundo e os outros. Na religião, não se trata do medo da condenação eterna nem do desejo do paraíso, mas de fazer a experiência de religação com o absoluto, de aproximação contínua à realidade tal como ela é, tal como ela nos solicita. Trata-se de uma atenção permanente à epifania do ser que se realiza a cada instante e da qual o nosso medo e o nosso desejo conduzem ou à fuga ou à tentativa de dominação.