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quarta-feira, 11 de junho de 2014

Dispositivos de cegueira

Loomis Dean - Las Vegas (1955)

Há uma luz que, por natureza, nos cega. Há outra que é pensada e produzida para nos cegar, um dispositivo de cegueira. A luz do espírito - à imagem da luz solar - sempre foi vista como excessiva para o homem, necessitando este de uma intermediação para lidar com ela. Os dispositivos de cegueira, porém, são de outra ordem. Apresentam uma natureza feérica e são suportáveis pelos seres humanos. Por trás deles esconde-se, todavia, um mandamento que nos ordena, sem remissão, que fechemos os olhos e nos entreguemos às trevas exteriores, onde, errantes, nos esquecemos de nós mesmos.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Aprender a matizar

Man Ray - Noire et Blanche (1926)

O primeiro dever do viandante é aprender a matizar, deixar de ver  o mundo a preto e branco, exercer a virtude da gradação. Houve homens que julgaram descobrir a santidade na mais dura austeridade, verdadeiros atletas do espírito. A vida espiritual, porém, não é uma maratona, e o extremo rigor é sintoma não de espiritualidade mas de patologia. Pegamos no branco e no preto e depois criamos um mundo de sombras. Noutras alturas, há que tomar apenas o branco e decompô-lo nas múltiplas cores que fazem a vida. A viagem é uma aprendizagem da gradação da luz.

domingo, 1 de junho de 2014

Seguir em frente

Leo Matiz - Polígono

Adentrar-se mais e mais no mistério, percorrer a longa galeria onde luz e trevas se sucedem sem fim, seguir em frente sem olhar para trás. Orfeu não suportou a exigência que a vida lhe pôs e perdeu Eurídice. Quem busca uma certificação ganha a certeza da perda. Resta, ao homem, apenas seguir em frente, saber que a luz ofusca e que as trevas são a noite escura da purgação dos equívocos e das ilusões. O resto é o mistério indecifrável.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Sobre a sombra

Rodney Smith - Gary Descending Stairs (1995)

A sombra não é meramente uma metáfora conveniente para dar profundidade ao livre jogo da poesia. Ela é um verdadeiro símbolo. E como todos os símbolos, a sombra simboliza múltiplas, e por vezes contraditórias, realidades. Sombra é o lugar do homem, ele que não suporta nem as trevas nem a luz mais pura. Mas o próprio homem não é mais do que sombra, uma presença evanescente sobre a terra, uma presença que, para ter consistência e não se reduzir a uma mera ilusão, necessita da Luz que o arranca à escuridão.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Abrir a janela

Alfred Eisenstaedt - Beethoven’s bust, Beethovenhaus, Bonn, Germany (1934)

Abrir a janela para que a luz chegue e permita que o viandante não caminhe na escuridão. Como o ciclo do dia e da noite, também o homem está exposto a esse jogo onde luz e trevas se sucedem, segundo a ordem das coisas. O risco está na interferência humana naquilo que a ultrapassa. Quantas vezes o dia já chegou e o homem, fechado em si, se esqueceu de abrir a janela?

domingo, 13 de abril de 2014

A luz do corpo

Imogen Cunningham - Jackie (1928)

Quantas vezes o visível não é mais do que opacidade. A nudez está longe de ser uma ostensiva exibição. Pelo contrário, ela pode ser um exercício de pudor, onde o corpo ao mostrar-se se oculta na luminosidade que dele emana. Inebriado pelo espectáculo e cego pela luz, o espectador perde o mistério que ali se manifesta.

domingo, 6 de abril de 2014

Entre duas cegueiras

Alfred Eisenstaedt - Woman under streetlight in Montmartre at night. Paris, France (1963)

A luz, por rigorosas e claras que sejam as explicações científicas, nunca deixará, para os homens, de ser um mistério. Não podemos olhá-la fixamente, pois cega-nos, mas sem ela seremos também cegos. Esta ambivalência da luz traz uma certa ordem, a ordem que diz respeito aos homens na terra. Devemo-nos deixar  envolver por ela, devemos olhar o seu efeito sobre o mundo e os seus objectos. Devemo-nos deixar guiar pelo seu resplendor, mas mais do que isso não nos cabe a nós, pobres mortais perdidos entre duas cegueiras.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

De sombra em sombra

Lucio Fontana - Ambiente spaziale (Labirinto bianco) (1968)

Criar a penumbra para que a luz possa vir. Os homens são frágeis e não está na sua condição suportar demasiada luz. Por isso, é necessário que ela chegue até nós intermediada por uma e outra cortina. De sombra em sombra, o homem trilha o infinito caminho para a luz.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O caminho na noite

Lucio Fontana - Ambiente espacial e luz negra (1948-49)

É nos dias em que a luz se tinge de negro, em que a escura noite desce sobre os sentidos e o coração, que o espaço se abre e intima o viandante a prosseguir a viagem. Cego, escuta o rumor e ouve o vento. O caminho é aquele que ele próprio, no espaço sem fim, desenha com cada um dos seus passos. A noite também é tempo de viagem.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Da natureza dos eclipses

Albert Bloch - Eclipse azul (1955)

Na verdade, um eclipse não é, para nós homens, essencialmente um acontecimento astronómico onde a luz de um astro é ocultada pela interposição de outro. Um eclipse é o símbolo da condição humana, da situação do homem na Terra. Entre o homem e a Luz há sempre a interposição de qualquer coisa. E o eclipse é tão continuado que o homem chega a pensar que a Luz não existe.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Dar-se à luz

Marc Chagall - O nascimento (1910)

Sobre os animais seus irmãos, o homem tem uma vantagem raramente aproveitada. Como eles, o homem é dado à luz. Mas este ser dado à luz por uma mãe é apenas a condição de possibilidade para que cada um se dê uma e outra vez à luz. Dar-se à luz é a única tarefa verdadeiramente humana. Quem nasceu de mulher ainda não nasceu efectivamente. Há que aprender a nascer de si e a morrer para si, para voltar a nascer. Não se trata de renascer, mas de vir uma e outra vez a uma luz sempre nova, sempre virginal. Homem é aquele que empreende a infinita tarefa de dar-se à luz.

sábado, 17 de agosto de 2013

A sombra da floresta

George Seurat - Floresta em Pontaubert (1881)

A floresta nunca deixa de atrair a imaginação dos homens. Se pensarmos sobre a razão de tal atracção não será a flora e a fauna as razões fundamentais dessa ligação. Se flora e fauna da floresta são interessantes para o homem, isso deve-se a estarem inscritas na floresta. A floresta é o sinal do que há de misterioso na vida dos homens, daquilo que não é completamente tenebroso, mas também não é luminoso, aquilo onde a razão com a sua luz penetra com dificuldade. Na floresta, o que atrai o homem é a sombra, essa combinação de luz e trevas. A sombra representa o enigma da existência e chama cada um a dar-lhe uma resposta. Há quem se embrenhe floresta fora, há quem prefira as auto-estradas e passar ao largo.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Corpo crepuscular

Jorge Apperley - Crepúsculo (1922)

Pelo desejo, compreendemos a natureza crepuscular do corpo. A sua luz, mesmo nas horas de maior vigor, indica sempre a incompletude, a ausência de alguma coisa que se manifesta na dinâmica desejante. O corpo nunca é dia pleno nem noite fechada. É apenas aquela luz frouxa e indecisa que parece hesitar na fronteira entre dois mundos.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

A vida e a morte

Ramón Pérez Carrió - Descida às entranhas da luz

Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam. (João 1: 4-5)

Somos fascinados pela oposição entre luz e trevas. Um hábito ancestral leva-nos a ordenar o mundo em pares de opostos. Esse hábito é muito anterior ao texto de João. Este vai explorá-lo, estabelecendo duas relações entre luz e trevas. Em primeiro lugar, as trevas são o lugar onde a luz brilha intensamente (resplandece). Quanto maior a escuridão mais intenso é o brilho da luz. As trevas são o lugar da manifestação da luz. Em segundo lugar, as trevas não compreenderam a luz. Esta não compreensão deve ser lida, cumulativamente, como não entendimento (as trevas não entenderam a luz) e como não inclusão ou não abrangência (as trevas não incluíram a luz ou excluíram-na). A luz manifesta-se não apenas naquilo que não a entende como também no que a exclui, incapaz de a abranger.

Este jogo dialéctico é, em si mesmo, incompreensível. Contudo ele é antecedido por uma frase metafórica: a vida era luz dos homens. O que está em questão é muito mais que a tensão entre dois fenómenos ópticos (luz e trevas), ainda que tomados como metáforas da sabedoria e da insensatez. Se a luz surge como metáfora da vida, o leitor é levado a compreender, por analogia, as trevas como metáfora da morte. É na morte que a vida resplandece, mas é também a morte que não compreende a vida e a exclui. Este parece ser o núcleo central do mistério dos cristianismo, a afirmação de uma vida através da morte, de uma morte que a não compreende, que a exclui. Tudo está assente num paradoxo: a vida que se manifesta naquilo que a nega, que a exclui, mas que é, ao mesmo tempo o outro da vida, como se esta tivesse de descer ao coração da morte para de lá resgatar as entranhas da vida.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

A sombra

Albano Vitturi - L'ombrellone (1930)

O homem não suporta a luz, o seu regime é o claro-escuro, o meio termo entre a luminosidade pura e a completa ausência de luz, as trevas. A sombra torna-se uma possibilidade, a possibilidade do homem caminhar em direcção à luz, avançando de "claridade em claridade", como se o seu espírito precisasse de se ir aclimatando, pouco a pouco e com elevado esforço, ao luminoso. A sombra é o anjo da guarda daqueles que aspiram caminhar para a luz. Protege-os e refreia-lhes o ímpeto. A sombra é o sinal da fragilidade do homem e uma dádiva. É também um perigo. Quando o homem pensa que o seu destino é a sombra, perde a luz que o orienta e começa a cair nas trevas.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O olhar da noite

Cruzeiro Seixas - Quando a noite nos olha (1989)

Não se trata de estarmos na noite, de caminhar nela, mas de sustentar o seu olhar. O que significará olhar a noite nos olhos? A noite como metáfora da ausência de luz é ainda um placebo tranquilizador. É preciso ir mais longe, é preciso descer. Não é apenas a ausência de luz que se esconde na metáfora da noite, é a própria ausência de ser, é o nada. No olhar da noite é o nada que nos olha, é a dissolução do mundo, é o rasgão do tecido com que construímos as nossas imagens, as nossas crenças e as nossas esperanças. No olhar da noite, tudo isso se dissolve e o viandante, sem norte, abre mão de si e espera que a noite o recolha.

terça-feira, 11 de junho de 2013

O viajante invisível

Vieira da Silva - O passeante invisível (1951)

Um rasto de luz, apenas. A tradição moderna, que tem em Descartes e na sua angustiante busca da certeza um primeiro marco, é a mais avessa das tradições à aventura do espírito. Nela, o espírito reduziu-se à subjectividade, e tudo gira em torno do sujeito, seja a glória e a honra, seja a humilhação e a patologia. Mas todas essas figuras da vitória e da derrota do sujeito são apenas a compensação de um sentimento de desconfiança perante a possibilidade da fé no sujeito ser falsa. A aventura espiritual é, antes de mais, uma luta contra a ilusão da subjectividade. Aquele que se põe a caminho dirige-se para a hora em que se torna no viajante invisível. Ao passar, não deixa pegada nem sombra de corpo, apenas um rasto de luz.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

De crepúsculo em crepúsculo

Pierre Bonnard - Crepúsculo (1892)

O crepúsculo não é apenas a claridade que permanece depois do pôr-do-sol ou que antece a alvorada. Por analogia, crepúsculo designa a condição do homem. O homem possui uma consciência crepuscular. Isto significa que ela não é uma consciência obscura ou absolutamente tenebrosa. Mas significa também que a luz da sua consciência está longe, muito longe ainda, da mais pura luminosidade. O grande equívoco do Iluminismo foi pensar que, com o predomínio da razão, o homem transitava de uma consciência crepuscular para uma consciência luminosa. Essa não é, contudo, a natureza do homem na Terra. Enquanto envolto na vida deste mundo, o homem não progride das trevas para a luz, mas desloca-se, infinitamente, de crepúsculo em crepúsculo.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Caminhos do espírito

Gustav Klimt - Beech Forest I (1902)

A beleza da terra juncada pelas folhas mortas é o sinal que traz a certeza de que outras folhas amanhã nascerão. Há um momento na vida em que se aprende a ver na própria morte o sinal da vida triunfante. Quantas vezes é necessário descer ao mais fundo cepticismo para que uma luz nasça no espírito e traga a certeza que a floresta se cobrirá de novo pelo verde mais radioso? Trevas e luz, cepticismo e certeza, são apenas etapas a que o espírito, no caminho que é o seu, deve percorrer na sua livre necessidade ou na sua necessária liberdade.

segunda-feira, 18 de março de 2013

O não julgamento

William Turner - Light and Color - The Morning After the Deluge (1843)

Naquele tempo, disse Jesus aos judeus: «Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida.» Disseram-lhe, então, os fariseus: «Tu dás testemunho a favor de ti mesmo: o teu testemunho não é válido.» Jesus respondeu-lhes: «Ainda que Eu dê testemunho a favor de mim próprio, o meu testemunho é válido, porque sei donde vim e para onde vou. Vós é que não sabeis donde venho nem para onde vou. Vós julgais segundo critérios humanos; Eu não julgo ninguém. Mas, mesmo que Eu julgue, o meu julgamento é verdadeiro, porque não estou só, mas Eu e o Pai que me enviou. Na vossa Lei está escrito que o testemunho de duas pessoas é válido; sou Eu a dar testemunho a favor de mim, e também dá testemunho a meu favor o Pai que me enviou.» Perguntaram-lhe, então: «Onde está o teu Pai?» Jesus respondeu: «Não me conheceis a mim, nem ao meu Pai. Se me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai.» Jesus pronunciou estas palavras junto das caixas das ofertas, quando estava a ensinar no templo. E ninguém o prendeu, porque ainda não tinha chegado a sua hora. (João 8,12-20) [Comentário de Agostinho de Hipona aqui]

Eu não julgo ninguém. Esta espantosa frase surge em oposição ao juízo dos homens. Estes julgam segundo critérios humanos. O que significa isso? Significa que esses critérios são limitados, finitos e falíveis. Em oposição a estes critérios, abrem-se duas perspectivas judicativas que devem ser tomadas em consideração. Por um lado, a existência de critérios não humanos, aqueles segundo os quais Cristo e o Pai julgam. Esses critérios aparentemente não surgem no texto. Há contudo fortes indícios para esses critérios. Por outro, a ideia de que Cristo não é um juiz. Estamos perante um aporia que deixa o pensamento perplexo e desafia o homem a meditá-la.

O juízo divino é um não juízo. O julgamento é ainda uma categoria humana, demasiado humana. Talvez a chave se encontre na sentença que, de certa maneira, é complemento da sentença Eu não julgo ninguém. Este Eu não julgo ninguém deve ser lido conjuntamente com as primeiras palavras de Cristo Eu sou a luz do mundo. A luz ilumina, dá a ver, revela. E essa revelação tem o efeito mostrar o que cada um é, de discernir aquilo que as trevas ocultam. E aquilo que é um não juízo, o que é uma pura Luz, torna-se um princípio de discriminação e de separação segundo o coração de cada um, ou como o texto deixa entender entre aqueles que O seguem e estão na Luz e os que não O seguem e estão nas trevas, no domínio da obscuridade e da errância.

O conceito de errância, muitas vezes usado nestes comentários, recebe uma nova precisão. Significa não conhecer o Cristo e, ao desconhecê-lo, desconhecer a Deus, o totalmente Outro, pois o conhecimento do divino, para o homem, reside no conhecimento de Cristo. Este é a face de Deus que o homem consegue suportar, é a luz que o mundo consegue tolerar, mas é também o totalmente Outro que reside no íntimo de cada um, sendo ao mesmo tempo aquilo que é real e efectivo, apesar da sua radical alteridade, em cada ser humano. Andar nas trevas é quebrar a ligação com esse Outro que é nós mesmos, é entregar-se à sentença do não julgamento.