sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

Meditação breve (209) Os tempos mudaram

John Everett Millais, The Knight Errant, 1870
Houve um tempo em que para cada donzela em perigo havia um cavaleiro errante para a salvar. Os tempo mudaram radicalmente, mas não se sabe ao certo se foram as donzelas em perigo que acabaram, ou se os cavaleiros errantes abandonaram a sua vocação.

terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Micronarrativa (79) A casa do silêncio

Pierre Bonnard, La Casa de Misia

Há casas varridas pelo vento da discórdia. Nelas, o espírito recolhe-se e o corpo mirra. Outras há habitadas pelo silêncio. Ali, os corpos respiram longamente e os espíritos encontram o seu lugar, fluindo entre as páginas de um livro, a memória acolhedora do passado e a esperança resplandecente de que tudo se mantenha nessa antecipação do paraíso.

domingo, 21 de dezembro de 2025

Viagem de Inverno 1

Caspar David Friedrich, Winter Landscape with Church, 1811

Sonho-me na sombra de sal do dia,

na súplica aberta na lava da exaltação.

 

Como um barco na melancolia do mar,

o Advento aproxima-se da candura do cais.

 

Move-se a geometria dos dias e das noites:

triunfais, as trevas cantam feridas de morte.

 

Dezembro de 2025

 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Signo sinal 32. Abandono

Giorgio de Chirico, Italian Piazza

A estátua jacente no seio de uma praça vazia é o signo não da solidão, mas do abandono. Não de alguém que foi abandonado, mas de um mundo que, exausto, expulsou de si os homens, abandonando-os à extinção, deixando permanecer, por instantes, o sinal da sua efémera e inútil passagem.

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

A memória do ar (43)

Edward Leaming, Moonrise in the Catskills, 1890

Se o luar cinde a muralha das nuvens, então o ar resplandece e abre-se como uma velha memória perdida na gramática dos corpos. O ar é, então, a folha leve de um pensamento, a mancha imaculada na assimetria do mundo, a promessa de uma beleza avassaladora inscrita nos olhos presos à Lua.

domingo, 14 de dezembro de 2025

Silêncio de Outono (12)

H. L. Brusse, Herfstmorgen, 1906

Caem ainda das acácias

folhas vergadas

pelo tempo.

Juncam os caminhos,

o advento, a aurora.

 

Uma exaltação adormece

em mim, se apanho

do chão as folhas mortas.

 

Dezembro de 2025

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

A sombra da água (44)

E.H. de Saint-Senoch, Vieux Pont de Quimperlé, 1895

A água adormece à sombra da ruína. Esqueceu o destino que a moveu, os obstáculos que deixou para trás, o desejo que a impelia sempre para mais longe. Imobilizou-se e tornou-se um espelho, onde um Narciso faminto se há-de olhar sem escutar o eco do mar trazido pela incontinência do vento.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Geometrias de fogo (44)

Eduardo Nery, Longos Caminhos, 1980 (Gulbenkian)

Um fogo estelar floresce nos céus, rompe a cercadura das nuvens, desliza pelos ares, tocado pelo vento, e deposita-se nas águas. Arde, então, lentamente, uma chama misteriosa, uma labareda sem nome. É um fogo virginal, com a pureza das coisas singulares, com a textura enlouquecida de uma mão de aço que se agarra à raiz da terra.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Silêncio de Outono (11)

Alfred Sisley, Bank of the Seine in Autumn, 1876

Sem mácula, a paisagem

desdobra-se

nas cores de Outono

e na virginal

concepção do Inverno.

 

Percorro a senda dos dias:

espero a súbita

revelação da eternidade.

 

Dezembro de 2025


sábado, 6 de dezembro de 2025

O Espírito da Terra (44)

Frenchman and American advancing in to No-man’s land with Sacks of Hand Grenades, France, 1918

Sob o peso das botas cardadas, a terra geme. E nesta dor descobre-se nua, pois o véu do espírito que a cobria desfez-se ao toque do clarim, ao avanço dos soldados em direcção à morte que, naquela lugar sem nome, será a deles.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Pintura e haikus (47)

Júlio Pomar, Varina Comendo Melancia, 1942 (Gulbenkian)

 Frutos do Estio:

O vermelho da varina,

azul de paixão.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Silêncio de Outono (10)

Aurélia de Souza - Visitação

Secreta, chegou a luz

do Advento.

Veio no húmido

odor da terra,

nas folhas pelo chão.

 

Retenho na memória a voz

vinda  na água

dos dias de sol e névoa.


Dezembro de 2025