sábado, 20 de agosto de 2022

Crónicas (221) A felicidade

Amelia C. Van Buren, Profile portrait of woman draped with a veil, 1917
(src 
L. of Congress)
O véu cobria-lhe a cabeça, nunca o rosto. Este oferecia-o ela aos olhos que nos seus se quisessem deter. Falto à verdade. Não era uma questão de querer, mas de poder. Movidos pelo desejo ou pela vaidade, muitos pretenderam olhá-la de frente, submetê-la. Nenhum o conseguiu. Mal os seus olhos se encontravam com os dela, não tinham outro remédio senão baixarem, vencidos por um poder que não era humano, diziam. Todos, porém, lhe conheciam pai e mãe. Tão humanos quanto eles. Os anos passaram e os pretendentes perderam a ousadia, desapareceram. Restei eu. Não tive mais coragem do que eles, apenas encontrei a hora certa. Quando a olhei, os seus olhos estavam mortos. A cegueira dela roubou-a à solidão e trouxe-me uma inesperada felicidade. Até hoje.

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