Pieter Brueghel el Viejo - The Parable of the Blind Leading the Blind (1568)
Deixai-os. São cegos e guias de cegos. Ora, se um cego conduz a outro, tombarão ambos na mesma vala. (Mat. 15:14)
A ideia de cegos a conduzirem outros cegos emerge num debate sobre o respeito pela tradição. Os fariseus parecem muito preocupados pela letra da lei e pelo cumprimento literal dessa mesma lei. O que Cristo torna patente, através do confronto entre os lábios (uma metonímia para discurso) e o coração, é o problema constitutivo de todo o logos humano, o de as palavras poderem estar radicalmente separadas das coisas. Cegos - sejam condutores ou conduzidos - são aqueles que falam, que dirigem, que executam mas que perderam o sentido essencial da palavra e da acção. São eles que se entregaram à errância. E quanto mais perdidos mais ferozes são na exigência da literalidade. Na verdade, a tradição, tomada assim, é uma traição ao espírito e um exercício do mal, como a história da humanidade nunca deixa de mostrar. A tradição, num outro e mais decisivo sentido, não é outra coisa se não a atenção ao coração, ao essencial, ao que está para além do discurso, do Verbo que está para além da palavra.
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