sábado, 3 de fevereiro de 2018

Meditação breve (62) Refúgio

Myron Wood, Boy and Sculpture, 1960

A criança sentada numa escultura antropomórfica de Henry Moore encontrou ali o seu refúgio. Não porque as estátuas mimassem figuras humanas, mas porque, ao distorcê-las, se tornassem mais humanas que os próprios seres humanos.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Haikai do Viandante (349)

Max Baur, Park Sanssouci, Potsdam, 1930

Ciprestes tardios
erguem-se leves aos céus.
Sombras e murmúrios.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Poemas do Viandante (669)

Gonzalo Torné - El mundo de Ceballos (1994)

669. mundo mapa mudo

mundo mapa mudo
de anémonas
                tisnado
no sol marítimo
                carcomido
pelo passar da barca
sujo       ó tão sujo
pelo açúcar
                a florir
na erva das encostas

(18/12/2016)

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Biografias 3. Mulher hesitante

Walde Huth - Model Patricia in Jaques Fath, Paris, France, 1955

Parada e pensativa, a mulher, inábil nas artes da tecelagem, hesita. Voltar para trás ou entregar-se ao murmúrio sombrio do desejo dos pretendentes?

domingo, 28 de janeiro de 2018

Haikai do Viandante (348)

Camille Pissarro - Morning, Sunshine Effect Winter, 1895

Uma ave cantou
no frio silêncio da neve.
Manhã de Inverno.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

A vida que se retira

Arthur Tress - Cards and Checkerboard in Abandoned Locker Room for Railroad Workers c. 1970

Os espaços que perderam o préstimo e ficaram entregues à ruína têm sempre o condão de abrir no coração do espectador a chaga da nostalgia. Uma chaga suave mas irremissível. Um tabuleiro de xadrez, o resto de um baralho de cartas não são, porém e apesar da degradação trazida pelo tempo, mero lixo, antes símbolos de uma vida que se retirou. Não a vida física e material mas a vida do espírito. Olhamos e quase se sente o ambiente espiritual que animava quem se servia daquelas instalações, aqueles que jogavam às cartas ou os que se mediam no xadrez. A ruína que os olhos vêem é o que restou dos pensamentos, palavras e desejos que ali ecoaram e que agora são silêncio e fragmentos materiais a deslizar para fora do tempo.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Poemas do Viandante (668)

Gonzalo Torné - Espejos para Ceballos (1994)

668. a viagem é um espelho

a viagem é um espelho
onde se reflecte
o viajante coroado
de léguas
                e memórias
tão pesadas
                as memórias
que o vidro
se quebra e quebrado
                o feitiço
resta o girassol
o sol      do silêncio

(18/12/2016)

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Interrupção

Andrea Mantegna - Adoration of the Shepherds (1451-53)

Com a adoração dos pastores, de Andrea Mantegna, o Homo Viator interrompe por uns dias a sua actividade. Voltará no início de Janeiro, passadas as Festas e os mil compromissos que elas trazem consigo. A todos um Bom Natal e um Feliz Ano Novo.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Um casal

André Kertész, Couple devant un coucher de soleil, Lágymányos, Hongrie, 1920

Chegavam ao pôr-do-sol. Vinham de mãos dadas, depois olhavam o horizonte e ele punha-lhe a mão sobre o ombro. Então, ela encostava-se, e assim ficavam largos minutos, depois partiam. Que eu tivesse visto, nunca se beijaram. Se pareciam felizes? Não lho sei dizer. Nunca lhes vi o rosto. Não sei se ela era bela ou se ele tinha um ar altivo. Um dia ficaram mais tempo. O sol pôs-se e eles permaneceram ali, abraçados e luminosos, banhados pelo crepúsculo. Quando a luz estava quase a desaparecer, entraram devagar dentro de água e caminharam sem pressa. Submergiram no momento em que a noite se cerrou. Nem nesse momento houve um beijo, se isso o interessa. Não, não os tornei a ver.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Poemas do Viandante (667)

Joan Hernández Pijoan - Els negres i el violeta (1983)

667. uma violeta vazia

uma violeta vazia
chora
na escura escuridão
do negro
alça os espinhos
e é uma rosa
a desfazer-se em
água e areia
na tábua aplainada
pelo divino carpinteiro

(17/12/2016)