domingo, 10 de setembro de 2017

Haikai urbano (20)

Edward Hopper - La ciudad (1927)

Vultos pela rua
passam no frio do silêncio.
Um grito ao meio-dia.

sábado, 9 de setembro de 2017

Meditação breve (44) - Concórdia

James Brooks - Concord (1975)

A concórdia não é a ausência de conflito, uma harmonia nascida da inexistência de oposições. A concórdia é o resultado do exercício de aproximação que transforma os outros, irredutíveis na sua materialidade, em próximos pelo espírito. Se o corpo separa os homens e os abre ao conflito, o espírito, ao torná-los próximos apesar da discordância e do conflito, abre-lhes o difícil caminho da concórdia.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Meditação breve (43) - Quase Negro

Gustavo Torner - Casi Negro

Esse resquício de luz que separa o quase negro da escuridão total não é sinal do caminho que falta percorrer até à treva absoluta. É antes a prova de que a luz persiste inabalavelmente nas piores situações e de que a noite nunca será plena.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Meditação breve (42) - Labirinto

Lucio Fontana - Ambiente spaziale (Labirinto bianco) (1968)

O labirinto não é uma provação com que alguns são confrontados. Labirinto é aquilo que cada um atravessa no decurso total da sua vida. Incerta não é a saída do labirinto mas a paisagem que encontra ao sair.

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Poemas do Viandante (647)

Frantisek Kupka - Alredor de un punto (1911-12)

647. à volta do ponto

à volta do ponto
a lua treme
de mágoa e raízes
roídas
à volta do ponto
a gramática
de uma camélia
desfolha-se
à volta do ponto
na cabeça rutilante
da minha loucura


(13/12/2016)

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Haikai do Viandante (334)

Artur Pastor - Atlantic ocean, not dated

Contemplo nas águas
o rolar sombrio das ondas.
As horas deslizam.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Meditação breve (41) - Tradições

Thomas Hoepker - A geisha in traditional oiran dress in a 17th century tea house. Kyoto, 1977

Podemos pensar as tradições como persistências do passado no presente devido à resiliência do hábito social. Mais adequado seria pensá-las como âncoras do presente lançadas nas águas do passado.

domingo, 3 de setembro de 2017

Uma degradação meticulosa

Leonard Misonne - Impressionistic photography (photogravure), 1942

As mulheres não se movem. Estão ali há muito, prendendo nas mãos os guarda-chuvas. Não só elas, mas tudo o que vê. Nem vento, nem chuva a cair, nem água a deslizar no caminho ou, sequer, nuvens a vaguear pelos céus. Tudo está, há muito, tomado por uma imobilidade e, contudo, o tempo passa e aquilo que ali está é arrastado por ele. Como? Não sei explicar o processo, mas pode observar o resultado. O que vê é já uma sombra, uma mera impressão daquilo que um dia foi nítido, tão nítido que parecia real. O movimento é uma ilusão, penso. O que acontece é que tudo, apesar de imóvel, viaja, através de uma degradação meticulosa, da nitidez para o vazio, para sucumbir na ausência. Só isso.

sábado, 2 de setembro de 2017

Destruições e escombros

Edward Weston - Wrecked Car, Crescent Beach, British Columbia, 1939

Há uma tendência para ver a vida do espírito como alguma coisa de glorioso, onde o viandante vai de luz em luz, de glória em glória. A esta fantasia edulcorante contrapõe-se uma realidade feita de destruições e escombros, ambos dolorosos. Não haverá para o homem maior dor que a destruição da suas mais íntimas ilusões. Olha e à sua volta tudo são escombros.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Poemas do Viandante (646)

Ellsworth Kelly - Light Reflection on Water (1951)

646. a luz cintila na água

a luz cintila na água
afoga-se em
escuridão
ilumina peixes
mortos
com lâmpada
de algas
e candelabro
de plâncton e petróleo

(13/12/2016)