Ser-se si mesmo. Mas como ser si mesmo se não sei quem sou? A resposta, porém, não está no "conhece-te a ti mesmo" socrático, mas no esquecimento de si, nesse mergulhar na escuridão e nela encontrar aquilo que em mim é mais do que eu. Ser si mesmo então é ser mais do que eu, é ser pura e simplesmente, é abrir-se, romper a clausura do ser e deixar que ele venha. O meu segredo é não ter segredo nenhum, mas ser todo e completamente secreto. Ser-me é ser o segredo que me habita.
domingo, 31 de maio de 2009
sábado, 30 de maio de 2009
Poemas do Viandante (19)
19. eis a casa
eis a casa
eis a casa
onde te penso
na mesa
pão e vinho
talher de prata
toalha de linho
talher de prata
toalha de linho
sexta-feira, 29 de maio de 2009
O inútil protesto
Agir e não desejar o fruto da acção, fazer o que deve ser feito e não esperar recompensa, quebrar a lógica do dom. Doar mas sem expectativa de receber, sem protesto pela ausência de reconhecimento. Entregar tudo nas mãos daquele que tudo superintende, mesmo se Ele não se move, não planeia, não espera. Quem está no mundo deve agir, mas deve agir como se contemplasse, como se não agisse. Mas será o viandante capaz de tal entrega? Quantos protesto inúteis contra o que acontece, como se o acontecer não fosse ainda manifestação de uma vontade que a tudo ultrapassa?
quinta-feira, 28 de maio de 2009
Poemas do Viandante (18)
18. avisto o verão
avisto o verão
túnica púrpura
e cabeça de oiro
quando chega
tudo ferve
a boca amarga
as ervas secas
os pinhais a arder
Tristan und Isolde
Oiço agora a cena final de Tristan und Isolde, de Wagner. Como é possível que um homem tenha feito aquilo? Como na pura imanência se inscreve a absoluta transcendência? Ali, na mais funda contenção, desenham-se mil mundos possíveis, como se Deus descesse naqueles acordes e trouxesse a densidade da sua dor para a compartilhar connosco. A dor de Deus feita música, uma dor que chama por nós na noite negra, uma dor que abre o mundo à terna alegria.
quarta-feira, 27 de maio de 2009
Poemas do Viandante (17)
17. a vara sobre a terra
a vara sobre a terra
a mão cheia de sal
um risco de azul
aberto no céu
sob o silêncio de coral
a vara sobre a terra
a mão cheia de sal
um risco de azul
aberto no céu
sob o silêncio de coral
Perder tudo
Abandonar, abandonar tudo, perder inclusive Deus. Aí, na extrema derrelicção, abre-se um caminho, escuro caminho, envolto em trevas e negra luz. Não é um caminho que o caminhante faça, pelo contrário. É o caminho que torna o caminhante em caminhante, o absorve no vácuo que nasce do abandono.
segunda-feira, 25 de maio de 2009
Poemas do Viandante (16)
16. sinal no deserto
sinal no deserto
ave de sombra
flor que se abre
a voz tão perto
flor que se abre
a voz tão perto
domingo, 24 de maio de 2009
Espanto
Como deixar que o espanto venha e nos arranque da insensata sensatez com que a vida toldou o espírito? O hábito cresce como uma sombra sobre o desconhecido e sob o véu desta sombra o desconhecido toma a aparência do mais conhecido. Na mais intensa luz do conhecimento abre-se secreto o segredo do desconhecido. Todo o conhecimento humano é revelação. Revelar significa mostrar e, ao mesmo tempo, tornar a velar, a ocultar. O espanto não será então a deriva de um espírito inconstante, mas a atenção suprema ao instante, àquele instante em que o divino se revela, se mostra e se oculta, se dá a nós e nós, na insensata preocupação de o capturar, o perdemos.
sexta-feira, 22 de maio de 2009
Poemas do Viandante (15)
15. sombras na viagem
sombras na viagem
paixões de salitre
mar incendiado
se abro os olhos
sombras na viagem
paixões de salitre
mar incendiado
na madrugada
se abro os olhos
tudo vibra
névoa e melancolia
a memória derrotada
a memória derrotada
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