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| Mário de Oliveira, Benahadux, 1967 |
quinta-feira, 3 de julho de 2025
O sal do silêncio (125)
Diante das montanhas do silêncio, estendem-se, a perder de vista, as planícies de sal. Ali, nada cresce: nem florestas primitivas nem uma lavoura arcaica. Só o sal trabalha a terra, lavra-a para o esquecimento e abre-a para que a solidão se levante e encontre a sua casa nas montanhas banhadas pelo luar da mudez.
terça-feira, 1 de julho de 2025
Virtudes de Verão (2)
domingo, 29 de junho de 2025
A memória do ar (41)
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| Toni Schneiders, Fykesunds bru im Hardanger Fjord, 1959 |
Sob o ar tinto pela escuridão, esconde-se a garganta devoradora do abismo. O silêncio do infinito paira como uma velha memória recalcada, que, de súbito, emerge na consciência e ali fica a dançar. Um vento frio empurra a massa de ar, enquanto o viajante perdido se abre ao perigo e à promessa de salvação.
sexta-feira, 27 de junho de 2025
A sombra da água (41)
quarta-feira, 25 de junho de 2025
Geometrias de fogo (41)
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| Ângelo de Sousa, Pintura, 1974 (Gulbenkian) |
Uma casa cor-de-fogo é uma promessa estival perdida nos olhos de quem a vê. Arde lentamente, fundida no silêncio do dia, para oferecer às paredes uma aparência de labareda, um rasgo de incêndio, um lençol de chamas. Assim composta, vai dedilhando as cores quentes como quem dedilha um rosário, numa oração que os olhos vêem e o coração trémulo recita contra o dragão da noite.
domingo, 22 de junho de 2025
Virtudes de Verão (1)
sexta-feira, 20 de junho de 2025
O Espírito da Terra (41)
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| S. Rothenfusser, Aufnahme von S. Rothenfusser, München, 1899 |
A paisagem abre-se em caminhos rudes, velhas sendas que rasgam florestas e campos, para que os homens, em devoção ao espírito da Terra, os percorram e escutem a respiração do mundo, a canção que sobe das profundezas e se abre à luz vinda dos céus. Até que chegam a uma clareira. Aí encontram, na abertura, um lugar para meditar sobre a grande dívida que têm por essa Terra, a sua primeira e última mãe.
quarta-feira, 18 de junho de 2025
Biografias 36. A leitora
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| Gertrude Käsebier, Portrait of Martine McCulloch, 1910 |
A leitora não tem vida, tem livros. Entra neles, como quem entra na casa de um amante incansável. Percorre cada divisão para descobrir os segredos, mas a alma arde de desejo pelo corpo que todo o livro esconde. Ler é um lento trabalho de desocultação do amado que se esconde por detrás das palavras. Despe-o lentamente, deixando o seu corpo de leitora inflamar-se de desejo, perscrutando o enigma daquele ser, desvendando-lhe o mistério, procurando prolongar o prazer, antes que o desenlace traga o fim. Acabada a leitura, ergue-se e, como uma ninfa insaciável, procura na estante outro livro, como quem procura um novo amante.
segunda-feira, 16 de junho de 2025
Diálogos morais 70. Fidelidade
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| Frances Benjamin Johnston, Kritik, 1898 |
- Olhas-me, desconfiada.
- Não te pareces comigo.
- Não? O pintor tem a sua liberdade.
- Não estou a discutir arte, pedi o meu retrato.
- E ele fez-me a mim.
- Tu não és eu, não te pareces comigo.
- Um retrato nunca é o retratado.
- O pintor escusava de ser tão infiel.
- Não falemos de infidelidades.
- Acusas-me de alguma coisa?
- Dispenso os pormenores da tua vida.
- Dispensas…, não parece.
- O pintor, podes crer, foi fiel ao produzir-me.
- Fiel a quem? A mim, que lhe paguei?
- Não, a mim. Só eu conto para ele.
sábado, 14 de junho de 2025
Pulsar de Primavera (12)
quinta-feira, 12 de junho de 2025
Câmara discreta (28)
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| Ralph Gibson, From the somnambulist (Hand and doorway), 1968 |
Esse preciso instante em que a mão se revela num gesto quotidiano é também a hora em que o corpo se oculta. A câmara, na ânsia da discrição, torna-se metonímica: representa o todo pela parte, como se o todo fosse um excesso para os olhos, uma ameaça mortal de quem se expõe, sem resguardo, à presença da totalidade do outro.
terça-feira, 10 de junho de 2025
Arqueologias do espírito 33
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| Marc Chagall, O Mito de Orfeu, 1977 |
Sempre que escavamos, como bons arqueólogos, o solo do espírito, encontramos, camada a camada, o mito. Foi através dele que espírito entrou no mundo e ainda, nos dias de hoje, nos piores momentos da existência do homem, é a ele que recorre para espraiar uma sombra benévola - por vezes, perigosa e malévola - sobre a existência. Essas histórias bizarras - tantas vezes, absurdas - trazem, envoltas em sombras, solidez à vida e promessas para a morte. Mesmo quando o espírito se eleva às regiões mais puras do pensamento, é na terra do mito que as suas raízes penetram, para o alimentar e o reter ligado à vida.
domingo, 8 de junho de 2025
Haikai urbano (78)
sexta-feira, 6 de junho de 2025
Pulsar de Primavera (11)
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| Jorge Barradas, Paisagem, 1965 (Gulbenkian) |
trazem a flor da incerteza
os dias de junho
regam-na com a luz do ócio
na tempestade da tarde
e ela floresce no saibro
sonoro do silêncio
Junho de 2025
quarta-feira, 4 de junho de 2025
Impressões 128. Transfiguração
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| Henri Michaux, sem título, 1939 |
Estranhas metamorfoses ocorrem no interior da terra. Uma semente germina e, quando se manifesta à luz do sol, o que os olhos vêem é um novo animal, uma espécie ainda não catalogada, um ser que não se enquadra em nenhuma taxinomia. Tão espantosas são essas transformações que delas ninguém fala. Uns por medo, outros por reverência, outros porque não sabem o que dizer perante a desordem que irrompe no mundo e rasga o cenário onde todos habitam.
segunda-feira, 2 de junho de 2025
Histórias sem nexo 36. Tragédia
sábado, 31 de maio de 2025
Meditação breve (205) Acusação
quinta-feira, 29 de maio de 2025
Pulsar de Primavera (10)
terça-feira, 27 de maio de 2025
Micronarrativa (75) Imperativos
domingo, 25 de maio de 2025
Signo sinal 28. Sem raízes
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| Giorgio de Chirico, La recompesa del Adivino, 1913 |
Haverá um momento em que sobre a Terra já não haverá seres humanos, mas persistirão ainda as suas cidades, as casas, as ruas, as praças. Ninguém, porém, pensará sobre elas, olhará para a arquitectura e entregar-se-á ao prazer de as contemplar. Tudo terá entrado no nada, não porque tenha deixado de existir, mas porque não há pensamento que enraíze as coisas ao solo da Terra.
sexta-feira, 23 de maio de 2025
quarta-feira, 21 de maio de 2025
Pulsar de Primavera (9)
segunda-feira, 19 de maio de 2025
O sal do silêncio (124)
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| Robert Liep, Gewittersturm, 1900 |
Uma tempestade assombra o silêncio, quebra-lhe as raízes, abre-o ao devir, como um amante intrépido se entrega ao cândido pavor de uma paixão. A terra treme e um trovão crava os dedos no ritmo errático do coração, onde o murmúrio da pulsação se oculta na glicínia da mudez.
sábado, 17 de maio de 2025
A memória do ar (40)
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| Todd Webb, Broadway at Wall Street, New York, 1959 |
O ar nocturno despe-se das memórias luminosas e paira sobre as suas presas como uma ave de rapina. Indiferentes ao perigo, homens e mulheres fendem o muro da escuridão, passam absortos sem olhar o próximo que com eles se cruza, entregando-se, não sem um secreto prazer, na tormentosa vertigem das trevas.
quinta-feira, 15 de maio de 2025
Pulsar de Primavera (8)
terça-feira, 13 de maio de 2025
A sombra da água (40)
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| Claude Monet, Water Lilies (The Clouds), 1903 |
Um vestígio do céu penetra nas águas, como uma sombra nublada feita de hábitos ancestrais. Também a natureza tem uma linhagem e uma herança. Por vezes, toma a forma de lei, outras é um jogo artístico, uma composição musical, onde a água que corre na Terra chama a que voa pelos céus.
domingo, 11 de maio de 2025
Geometrias de fogo (40)
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| Paula Rego, O Gigante de Minsky, 1958 (Gulbenkian) |
O fogo é um animal selvagem: talvez um leão, talvez um leopardo, talvez um tigre. Tem garras afiadas para ferir aquilo em que toca, para queimar a pele da terra e incendiar os horizontes. Como o olhar de um grande felino, o fogo vibra na escuridão da noite. E, onde leva a luz, oferece também a escuridão das cinzas.
sexta-feira, 9 de maio de 2025
O Espírito da Terra (40)
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| Jaime Morera y Galicia, Cabeza de Hierro. Guadarrama, 1891-97 |
Será nas montanhas que o espírito da Terra se refugia, quando a acção dos homens, tocados pela impiedade da dominação, abre, na frágil pele do planeta, escaras hediondas. O coração sangra. O corpo, rasgado pela dor, recolhe-se no alto. O espírito contempla então o desvario e entrega-se a uma terapia feita de distância e solidão.
quarta-feira, 7 de maio de 2025
Pulsar de Primavera (7)
segunda-feira, 5 de maio de 2025
Biografias 35. O pintor perdido
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| André Kertész, Piet Mondrian, Paris, 1926 |
O pintor oferece os seus olhos à câmara fotográfica para que esta, no fundo deles, encontre as linhas, as cores e as formas que o habitam. Ela, porém, teme o seu olhar, perde-se na rigidez da postura, no temor que o habita perante um mundo maquinal, e devolve-nos um artista sem a sua arte, um pintor sem a cor da sua pintura, um homem tomado no oceano da convenção.
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