J. Dudley Johnston, Liverpool— an Impression, 1907 |
sexta-feira, 9 de junho de 2023
O sal do silêncio (100)
Quando se entra por dentro do passado, somos recebidos pelo grande cisne do silêncio. O que era sólido deixa-se ver como penumbra, o que era vivo toca-nos como uma canção, o que era belo cintila ainda no poço escuro da memória. Quando se entra por dentro do passado, a poeira sabe-nos ao sal da solidão.
quarta-feira, 7 de junho de 2023
Geometrias de fogo (15)
segunda-feira, 5 de junho de 2023
A Canção da Primavera 11
sábado, 3 de junho de 2023
A memória do ar (14)
Rudy Burckhardt, Flatiron in Summer, 1948 |
Essas avenidas largas retêm entre prédios as memórias vertiginosas do ar. O vôo dos pássaros, o desejo dos homens, o silêncio dos anjos, a sombra da aurora, os sonhos da matéria. Tudo ali circula, preso à lentidão, pois a memória é um exercício que exige tempo e cuidado. A pressa traz consigo a ruína por onde se escapa tudo aquilo que o coração quer conservar.
quinta-feira, 1 de junho de 2023
Histórias sem nexo 30. Calúnias
Joan Hernández Pijoan, Horizontal, 1984 |
Uma
cândida e casta cabaça cabriolava no canteiro. Um cântico de cachaça. A caduca candeia
carpia, se uma cabra cavava no caderno do capelão. Caramba, estes camelos cantam
cada canção. Cabaças, cabras e camelos, eis os capatazes da capital ou os cátaros da
capela, que, cantando, cabeceiam na carroça. Calúnias de camafeus.
terça-feira, 30 de maio de 2023
domingo, 28 de maio de 2023
A Canção da Primavera 10
sexta-feira, 26 de maio de 2023
O sal do silêncio (99)
quarta-feira, 24 de maio de 2023
A sombra da água (14)
Henri Edmond Delacroix Cross, La Dogana, 1903 |
As águas são propícias a grandes amores e a terríveis crueldades. Existem como uma sombra entre a solidez da terra e a imponderabilidade do ar. Agitam-se, se o vento as toca ou o oceano cintila ao longe. Adormecem, se um sonho as chama para lhes contar os segredos que nelas se escondem.
segunda-feira, 22 de maio de 2023
A Canção da Primavera 9
sábado, 20 de maio de 2023
No limiar (5)
Georgia O'keeffe, Black abstraction, 1927 |
Ainda as coroas não ornavam cabeças reais, nem o oxigénio se combinara com o hidrogénio para, em proporção exacta, permitir o advento da vida. O vento era apenas uma promessa cósmica de um tempo a vir, e a luz estelar ainda não tinha sido separada em enxames que se deslocam sempre para mais além. Do fundo negro, uma onda de escuridão ergueu-se e troou, enquanto uma espuma esbranquiçada, imperativa como uma velha fronteira, assinalava as primeiras metamorfoses que trariam o mundo ao lugar onde o encontramos.
quinta-feira, 18 de maio de 2023
Geometrias de fogo (14)
Maria Gabriel, Sonho numa noite de Verão, 1969 |
Sonhos de Verão são reminiscências de fogos que acordam dentro de uma imaginação exausta de tanta fantasia. O lume arde, enquanto o sonhador dorme. As labaredas tocam-lhe o coração e abrem-se em danças inquietantes por dentro do peito, até que o dia nasce e o sonho se esgota no lume da aurora.
terça-feira, 16 de maio de 2023
A memória do ar (13)
Maria Helena Vieira da Silva, L’air du vent, 1966 |
A precipitação com que o ar se enovela ao transformar-se em vento anuncia que, sob a capa de um mundo sólido e perfeito, se escondem, secretas e sulfurosas, as moléculas do caos, compostas por miríades de átomos instáveis e energias ferozes que se aniquilam entre si, anunciando o nada de onde tudo, mais uma vez, se haverá de extrair.
domingo, 14 de maio de 2023
A Canção da Primavera 8
sexta-feira, 12 de maio de 2023
O sal do silêncio (98)
Noé Sendas, The Rest is Silence II, 2003 (aqui) |
O peso do silêncio dobra a voz para dentro de si mesma. Esconde-se como um animal acossado, como um homem cujos olhos, tão frágeis, não suportam a luz. Na ausência do som, desprende-se dos corpos o sal do sono, e a boca, com o esmalte dos dentes e o âmbar do riso, floresce na floresta memoriosa da mudez.
quarta-feira, 10 de maio de 2023
No limiar (4)
Imagem obtida com IA da CANVA |
Pensa-se no lugar onde a realidade se produz em estratos, o trabalho moroso de sedimentação de materiais arcaicos, mas esse pensamento não passa da projecção do desejo de encontrar uma chave de leitura para aquilo que não tem leitura. Trata-se antes do lugar onde a irrisão se encontra com a ausência de sentido, formando ondas caóticas, impressões difusas, recusas viscerais de toda a ordem. Por vezes, soltam-se ruídos, mas não se encontrou ainda aparelho auditivo para os processar e descobrir para eles uma notação prosódico ou mesmo um nome. Pensa-se no não pensável.
segunda-feira, 8 de maio de 2023
A sombra da água (13)
Amedeo Modigliani, Sun Reflected on Water, 1905 |
O ardor da água, essa pele porosa e lustral onde o fogo encontra a sua imagem, cintila perante a ameaça da sombra ou dos dias negros, de onde a luz foi retirada, reverbera contra a escuridão, alumia-se na inocência de tudo aquilo que passa e perde ao passar a mácula original do movimento.
sábado, 6 de maio de 2023
A Canção da Primavera 7
quinta-feira, 4 de maio de 2023
terça-feira, 2 de maio de 2023
Geometrias de fogo (13)
Vincent Van Gogh, Campesina sentada al fogón, 1885 |
Uma estranha geometria possui o fogo doméstico. As suas labaredas rodopiam arrastadas pelo íman da necessidade. O frio ancestral, o temor nascido no início dos tempos, a fome inexorável, tudo isso se torna um poderoso chamamento. Então, o fogo ergue-se como uma camélia perdida ao vento e arde para que a vida seja ainda uma luz na melancolia da noite.
domingo, 30 de abril de 2023
A memória do ar (12)
A grande abertura do horizonte, a ausência de obstáculos trazidos pela natureza ou feitos por mão humana, deixam que o ar circule suspenso da liberdade de tudo o que é invisível. Oferece-se então como um velho repositório de memórias, onde se escondem o voo dos pássaros, os sonhos dos homens.
sexta-feira, 28 de abril de 2023
A Canção da Primavera 6
quarta-feira, 26 de abril de 2023
Meditação Breve (189) A imaginação
Raphael Colin, At the Edge of the Sea, 1892 |
A imaginação é como o fluxo das águas do mar. Vem e vai, comandada por um ritmo secreto, cuja lei inexorável ninguém conhece. Onde apenas existe água e areia, ela descobre corpos tomados pela beleza, transbordantes de ritmo, incendiados pelo desejo de quem os fantasia, prontos para se deixarem possuir pela arte do seu criador.
segunda-feira, 24 de abril de 2023
A sombra da água (12)
João Queiroz, sem título, 1999 (aqui) |
Nenhuma atenção ou perspicácia permite distinguir entre água e sombra, unidas pela fluidez que as traz à existência e as dota das mais puras propriedades daquilo que é efémero. Só uma sabedoria infusa teria o poder de suspeitar a delicada fronteira onde a água se dissolve na sua sombra, onde a sombra se liquefaz para correr para o mar.
sábado, 22 de abril de 2023
No limiar (3)
Imagem obtida com IA da CANVA |
Será uma dança imortal a que os elementos se entregam antes de se comporem na matéria da realidade, o mundo sólido que surge perante os olhos, para estes o devorarem em imagens que se guardarão no cofre-forte da memória. Dançam uma música de cores. Nestas existem sons que o movimento faz eclodir em paisagens que as palavras não poderão descrever, horizontes que pertencem a um lugar onde o verbo ainda não se fez presente e nenhuma denominação encontra o momento para ressoar, pois tudo ainda está imerso numa sinestesia universal.
quinta-feira, 20 de abril de 2023
A Canção da Primavera 5
terça-feira, 18 de abril de 2023
domingo, 16 de abril de 2023
O sal do silêncio (97)
Nuno Cera, Snapshots 3, 1996 |
O caminho abre-se como uma oferenda aos viandantes. Devem percorrê-lo em silêncio, até que encontrem a saída que, de imediato, reconhecerão como a sua. Então, dirigir-se-ão ao lugar que por eles espera há muito. Ao encontrar a sua casa, descobrem o centro do mundo, e seja qual for o caminho que tomem jamais precisarão de bússola, nunca tornarão a perder o norte.
sexta-feira, 14 de abril de 2023
A memória do ar (11)
Imagem obtida com IA da CANVA |
O ar tece uma rede invisível e nela a realidade deixa-se prender até à imobilidade. São de aço flexível os fios com que a rede se tece, para que se ajuste aos prisioneiros que caem sob o seu império. Então, eles respiram lentamente e deixam correr o tempo, esquecidos da subjugação ao soberano que não se vê.
quarta-feira, 12 de abril de 2023
A Canção da Primavera 4
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