Francisco de Goya - No saben el camino
Naquele tempo, disse Jesus aos
judeus: «Se Eu testemunhasse a favor de mim próprio, o meu testemunho não teria
valor; há outro que testemunha em favor de mim, e Eu sei que o seu testemunho,
favorável a mim, é verdadeiro. Vós enviastes mensageiros a João, e ele deu
testemunho da verdade. Não é, porém, de um homem que Eu recebo testemunho, mas
digo-vos isto para vos salvardes. João era uma lâmpada ardente e luminosa, e
vós, por um instante, quisestes alegrar-vos com a sua luz. Mas tenho a meu
favor um testemunho maior que o de João, pois as obras que o Pai me confiou
para levar a cabo, essas mesmas obras que Eu faço, dão testemunho de que o Pai
me enviou. E o Pai que me enviou mantém o seu testemunho a meu favor. Nunca ouvistes
a sua voz, nem vistes o seu rosto, nem a sua palavra permanece em vós, visto
não crerdes neste que Ele enviou. Investigai as Escrituras, dado que julgais
ter nelas a vida eterna: são elas que dão testemunho a meu favor. Vós, porém,
não quereis vir a mim, para terdes a vida! Eu não ando à procura de receber
glória dos homens; a vós já vos conheço, e sei que não há em vós o amor de
Deus. Eu vim em nome de meu Pai, e vós não me recebeis; se outro viesse em seu
próprio nome, a esse já o receberíeis. Como vos é possível acreditar, se andais
à procura da glória uns dos outros, e não procurais a glória que vem do Deus
único? Não penseis que Eu vos vou acusar diante do Pai; há quem vos acuse: é
Moisés, em quem continuais a pôr a vossa esperança. De facto, se acreditásseis
em Moisés, talvez acreditásseis em mim, porque ele escreveu a meu respeito. Mas,
se vós não acreditais nos seus escritos, como haveis de acreditar nas minhas
palavras?» (João 5,31-47) [Comentário
do Concílio Vaticano II aqui]
Quais as condições subjectivas da recepção da palavra? O que é
pertinente notar neste excerto de João é que a grande inimiga da recepção da
palavra, da escuta do testemunho, não é a razão crítica mas a vaidade centrada
na busca da glória humana. De certa maneira, o texto remete mesmo para uma
certa razão crítica que desconstrói as expectativas puramente humanas. Entre o
absoluto e o relativo, os homens escolhem o relativo. Entre o infinito e o
finito, os homens escolhem o finito. E é a relatividade e a finitude que são
elevadas à glória e, dessa forma, se transformam em ídolos, poder-se-ia dizer
em ídolos da praça pública.
A recepção da palavra e a audição do testemunho exigem essa distinção
crítica entre o relativo e o absoluto, o finito e o infinito, o particular e o
universal. A dinâmica crítica que permite compreender aquilo que é essencial não
depende, todavia, de um mero exercício lógico efectuado por uma razão desencarnada. Pelo contrário, a condição
de possibilidade do uso da razão crítica reside no amor. É a cegueira do
coração que torna a razão fria e impotente, reduzindo-a à esfera do cálculo de
oportunidades, tornando-a dependente da egolatria.
As condições subjectivas da
recepção da palavra tornam-se, neste texto de João, bastante claras. Uma razão,
com a sua natureza crítica, fundada no amor. Mas este amor não é um mero
sentimento subjectivo, a emanação de uma afectividade mais ou menos
desregulada, mas um amor absoluto (não há
em vós o amor de Deus) que é apenas a operatividade essencial de Deus no
seu compromisso com o mundo e os homens. Um amor que convoca coração e razão
como os poderes que, ao escutar a convocação, põe o homem a caminho.