a luz ao morrer.
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
A viagem como metamorfose existencial
Pois não são as obras que nos santificam, somos nós que devemos santificar as obras. Quão santas possam ser as obras, elas nunca nos santificarão enquanto obras. Contrariamente, na medida em que possuímos um ser santo e uma natureza santa, somos nós que santificamos todas as nossas obras, quer se trate de comer, de dormir, de velar ou de fazer seja o que for. [Maitre Eckhart, Entretiens Spirituels, IV]
O texto de Eckhart, apesar da provecta idade, pode ainda surpreender. Desloca a questão da santificação do domínio da moral para o da ontologia. Não se trata daquilo que fazemos mas daquilo que somos, não se trata da intervenção no mundo, mas da conversão existencial, da metamorfose ontológica. Trata-se que o homem, no seu ser e no seu fundo, seja perfeitamente bom. Dito de outra maneira, a experiência da bondade transforma a minha natureza. Mas essa experiência da bondade é dada pela abertura a Deus. Como Eckhart explica no ponto V dos Entretiens Spirituels, essa experiência implica que todos os nossos esforços tendam a compreender a grandeza de Deus, que tudo o que há em cada um seja voltado para Ele. O importante deste texto eckhartiano reside na focalização central da vida religiosa. Esta não está centrada nas regras morais, mas na experiência existencial de uma transformação de si à luz do ser divino.
A qualidade moral das nossas acções não reside no facto de elas serem um caminho para a santidade. Estas acções, as que pretensamente santificariam os homens, como dirá, séculos depois, Kant, não têm qualquer valor moral. As boas acções são aquelas que resultam da bondade do próprio ser que as pratica. É ele que santifica as acções e não estas que o tornam santo. É verdade que, na economia global da vida em sociedade, é bom que as acções praticadas pelos agentes tenham uma aparência de bondade, mesmo que sejam praticadas por alguém que não se confrontou, ou nem pensa confrontar-se, com a metamorfose do seu próprio ser. Mas na economia da viagem que cabe a cada viandante efectuar, essas acções não possuem qualquer utilidade efectiva, podendo mesmo ser um obstáculo ao caminho. A viagem é uma experiência existencial e não uma aplicação ritualizada de mandamentos morais.
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
domingo, 5 de fevereiro de 2012
sábado, 4 de fevereiro de 2012
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
Vertigem
Esta indecisão que de tudo se apodera, esta sombra que cai sobre os dias, esta neblina que se cerra sobre o olhar. Como é sombria a luz natural da razão. Estranho lugar é o do homem, a meio caminho entre terra e céu. Os olhos erguem-se para o alto, mas o corpo submete-o à lei da gravidade. A vertigem que de mim se apodera não é mais que a luta entre duas naturezas que há muito perderam a harmonia. Como pode a razão iluminar aquilo que os deuses obscurecem?
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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
domingo, 29 de janeiro de 2012
Pobre de espírito
(imagem daqui)
Vejam, nunca até agora, nesta vida, alguém abandonou as coisas ao ponto de nada mais ter para abandonar. São raras as pessoas que têm isso em consideração e se conformam com tal coisa. Compensação verdadeiramente equitativa e justa: tanto quanto tu sais de todas as coisas, tanto quanto sais verdadeiramente de tudo o que é teu, tanto, nem mais nem menos, Deus entra em ti com tudo o que é seu. [Maitre Eckhart, Entretiens Spirituels IV]
Onde, nesta curta passagem de Eckhart, encontramos um lugar para a fé? O místico renano não fala de nenhuma das virtude teologais, não sublinha um dogma, apenas propõe uma forma de agir. Desapropriar-se de si, abandonar tudo o que é tido como seu, quebrar os laços psicológicos do desejo com as coisas, consigo mesmo e até com o desejo de salvação. Abandonar significar abandonar radicalmente. Mas nunca, nesta vida, ninguém se abandonou ao ponto de não ter mais nada a abandonar. A fé reside neste abandono radical, reside na certeza de que cada vazio do espírito nascido do abandono é preenchido pela entrada de Deus. Abandonar-se significa ser pobre de espírito. Uma pobreza radical. Assim como é no presépio de Belém que Cristo nasce, é no mais vazio do espírito que Deus encontra o seu presépio, e ocupa o espaço que a pobreza lhe proporciona. A pobreza espiritual - que não é estupidez ou falta de inteligência - é a virtude essencial no caminho de qualquer viandante. A fé não está na ligação afectiva a uma imagem mais ou menos abstracta ou mais ou menos infantil da divindade, mas no abandono de si à expectativa da chegada de Deus.
sábado, 28 de janeiro de 2012
sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
domingo, 22 de janeiro de 2012
Da Vontade e da vontade própria
Aquele que quer começar uma nova vida ou uma actividade deve ir ao seu Deus e pedir-Lhe, com muito fervor e um completo recolhimento, para regular tudo pelo melhor, tudo ao Seu gosto e como Ele o julgue mais digno; não deve nem querer nem procurar o seu próprio bem, mas unicamente a santa vontade de Deus, mais nada. E seja o que for que Deus então lhe envie, deve aceitá-lo como vindo directamente de Deus, compreendê-lo como o que melhor lhe pode acontecer e ficar inteira e absolutamente satisfeito com isso. (Maitre Eckhart, Entretiens Spirituels, XXII)
O essencial da via reside nesta atitude de total e completa confiança nos desígnios de Deus. Essa confiança, porém, significa o abandono de toda a vontade própria, a morte dessa vontade, e a pura aceitação do provir como palavra e vontade divinas. Este tipo de acção contemplativa, de uma acção que não espera senão o que a Vontade lhe envia é o mais elevado grau de acção. A dificuldade reside, contudo, na erradicação da vontade própria, de uma vontade fundada no medo e no desejo.
sábado, 21 de janeiro de 2012
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
domingo, 15 de janeiro de 2012
Do medo e do desejo
(Imagem daqui)
O medo e o desejo são dois grandes obstáculos à vida do espírito. O medo conduz, muitas vezes, à fuga do mundo, ao retirar-se para um lugar especial onde não se possa, imaginariamente, ser atingido pela torrente da vida, a qual contém em si a própria morte. Temer o outro, o estranho, a exuberância da natureza, as ameaças da tecnologia. São múltiplas as figuras que parecem fundar o medo. Por seu turno, o desejo lança-nos sobre os seus objectos, incentiva a voracidade, o projecto de captura e de dominação da coisa ou da pessoa desejada. Entre o medo e o desejo, o espírito vive aterrorizado pelo fascínio que estas experiências exercem sobre ele. Ora o medo e o desejo contaminam a vida e a realidade com estas projecções da subjectividade, deformam-nas e tornam-nas uma cadeia que se abate inexoravelmente sobre a pessoa. A vida espiritual lida fundamentalmente com este medo e este desejo. Não se trata de eliminar o medo ou o desejo. Trata-se de os reconhecer naquilo que são e de reconhecer como eles pervertem a nossa relação com o mundo e os outros. Na religião, não se trata do medo da condenação eterna nem do desejo do paraíso, mas de fazer a experiência de religação com o absoluto, de aproximação contínua à realidade tal como ela é, tal como ela nos solicita. Trata-se de uma atenção permanente à epifania do ser que se realiza a cada instante e da qual o nosso medo e o nosso desejo conduzem ou à fuga ou à tentativa de dominação.
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
Do desapego
O desapego das coisas e das pessoas, essa exigência evangélica para quem pretende seguir o Verbo, não significa o real abandono dessas coisas e dessas pessoas. Significa muito simplesmente que o cuidado que coisas e pessoas exigem de nós deve ser considerado fora de qualquer interesse e expectativa subjectiva. Significa que eu não devo prender-me a nada a não ser ao Bem. Este desapego, porém, abre cada um de nós para as coisas como elas são e ensina-nos a lidar com elas na sua verdade. A vida do espírito não é uma fuga mundi e o desapego não é o afastamento das situações existenciais. Pelo contrário, a vida espiritual é um exercício contínuo de realismo e de atenção ao concreto da existência, é uma vida na verdade, que se torna possível pela eliminação do enviesamento que o ego traz consigo.
sábado, 7 de janeiro de 2012
Poemas do Viandante (241)
241. POSEIDON
este canto
do vento
sobre a
planície
é o murmúrio
de poseidon
ao subir
à superfície
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
Poemas do Viandante (240)
240. ESTRELA
POLAR
o mais antigo
e o mais remoto
vivem ainda
se colhes
uma flor
ou deixas
o vento
anunciar
entre nuvens
a alegria
da estrela
polar
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
quarta-feira, 4 de janeiro de 2012
domingo, 1 de janeiro de 2012
sábado, 31 de dezembro de 2011
Peregrinatio ad loca infecta
O ano vai acabar, mas a peregrinatio ad loca infecta parece não ter fim. É aquilo que compete a nós, seres mundanos. Por vezes, consolamo-nos com a ideia de estarmos no mundo mas não lhe pertencer. Mas isso é ainda uma idealização, uma fuga mundi, no sentido pleno da expressão. É nesse mundo que nos compete peregrinar, visitar os locais de perdição, os tomados pelos miasmas da doença, aqueles onde nos esquecemos de quem somos. Se fomos enviados a esta terra e a este mundo, não será uma blasfémia dizer que não lhe pertencemos? Um novo ano vai entrar, segundo o calendário que tomámos por nosso. Se for essa a vontade do Altíssimo, e enquanto essa vontade permanecer, continuará a pregrinatio ad loca infecta. A que outros lugares poderíamos nós, pobres mortais, peregrinar, presos à nossa finitude? Uma boa viagem.
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