(imagem daqui)
Vejam, nunca até agora, nesta vida, alguém abandonou as coisas ao ponto de nada mais ter para abandonar. São raras as pessoas que têm isso em consideração e se conformam com tal coisa. Compensação verdadeiramente equitativa e justa: tanto quanto tu sais de todas as coisas, tanto quanto sais verdadeiramente de tudo o que é teu, tanto, nem mais nem menos, Deus entra em ti com tudo o que é seu. [Maitre Eckhart, Entretiens Spirituels IV]
Onde, nesta curta passagem de Eckhart, encontramos um lugar para a fé? O místico renano não fala de nenhuma das virtude teologais, não sublinha um dogma, apenas propõe uma forma de agir. Desapropriar-se de si, abandonar tudo o que é tido como seu, quebrar os laços psicológicos do desejo com as coisas, consigo mesmo e até com o desejo de salvação. Abandonar significar abandonar radicalmente. Mas nunca, nesta vida, ninguém se abandonou ao ponto de não ter mais nada a abandonar. A fé reside neste abandono radical, reside na certeza de que cada vazio do espírito nascido do abandono é preenchido pela entrada de Deus. Abandonar-se significa ser pobre de espírito. Uma pobreza radical. Assim como é no presépio de Belém que Cristo nasce, é no mais vazio do espírito que Deus encontra o seu presépio, e ocupa o espaço que a pobreza lhe proporciona. A pobreza espiritual - que não é estupidez ou falta de inteligência - é a virtude essencial no caminho de qualquer viandante. A fé não está na ligação afectiva a uma imagem mais ou menos abstracta ou mais ou menos infantil da divindade, mas no abandono de si à expectativa da chegada de Deus.
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