domingo, 28 de março de 2021

O pelicano

René Burri, Le Pelican de Mykonos, Greece, 1957

Todos as manhãs o homem percorria o cais. Não tinha qualquer traço que o diferenciasse dos outros habitantes da ilha. Nunca esquecia o boné e a flauta. Misturava melodias tradicionais, algumas muito antigas, com improvisações, pois o tempo e o treino deram-lhe um domínio perfeito do instrumento. Era sempre acompanhado por um enorme pelicano. Este surgia quando ele tocava certa composição religiosa inspirada no sacrifício de Cristo. Às primeiras notas, a ave vinha do nada e acompanhava o tocador de flauta até se dissolverem no horizonte. Um dia, curioso, abordei o músico e perguntei-lhe de quem era aquele pelicano. Respondeu-me de modo estranho. O pelicano é aquele que é, e aquele que é não pertence a ninguém. 

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