terça-feira, 19 de junho de 2018

Poemas do Viandante (682)

Amadeo de Souza Cardoso - Quadro (1912)

682. prímulas e margaridas

prímulas e margaridas
amadurecem
na paisagem pisada
pela luz venal
do verbo
cantam
perdidas no sonho
do jardineiro
preso à tesoura da morte

(20/12/2016)

sexta-feira, 8 de junho de 2018

A estátua

Nelly’s, Girl from Ipati, Greece, ca. 1930

Se o acontecimento é extraordinário, as razões que a levaram aquela decisão são misteriosas. Não lhe faltavam os dons que atrairiam sobre ela as maiores felicidades. Bela, poderia escolher o homem que quisesse e a vida que mais desejasse. Tinha uma índole jovial e não lhe faltavam amizades. Tão pouco nascera num lar sem fortuna. Quando viu, pela primeira vez, a estátua de pedra, gritou. Depois, silenciou-se. Uma noite, viram-na colocar-se ao lado da estátua, imitando-lhe a pose. Na manhã seguinte, continuava lá. Enlouquecera, pensaram. Quando no dia seguinte a avistaram, alguém foi ter com ela. Tocou-lhe. A sua carne, porém, era um mármore frio e pálido. 

quinta-feira, 31 de maio de 2018

Haikai do Viandante (356)

William Henry Fox Talbot, The Pencil of Nature, London, 1844

O silêncio passa
pela escada do tempo.
Sombra e solidão.

sábado, 7 de abril de 2018

Haikai urbano (35)

Léonard Misonne, Reflets, c. 1935

Reflexos e sombras
são fantasmas na cidade.
Rituais de Inverno.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Poemas do Viandante (681)

Yves Klein - Peinture de feu sans titre (empreintes de corps) (F 88) (1962)

681. o fogo desce sobre

o fogo desce sobre
o corpo
                das águas
e silva e zumbe
e na combustão
da alma
devora o desejo
o ardor da aurora

(20/12/2016)

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Meditação breve (77) Innuendos

Edward Weston, Shell, 1927

Toda a arte assente na prática do innuendo. Não dizer ou não mostrar nada directamente. A arte é uma praxis de sugestão e um jogo de insinuações. Fora disso é um exercício fútil para alimentar egos ávidos de existência.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Biografias 13. A mulher caída

John Murphy, Cadere: Outside the Frame, 2008

Arrastou pelas ruas o peso dos sentimentos. Ardeu na fogueira das emoções. Arrojou pelo chão a mobília da vida. Tinha um nome e perdeu-o na praça pública. Exausta, seca e sem nome, deu uns passos, encostou-se à parede e deixou-se cair. Não há desejo que suporte o peso do mundo.

terça-feira, 3 de abril de 2018

Haikai urbano (34)

Karel Plicka, Prague in photographs, 1940s

O secreto centro
onde a cidade germina.
Livros e silêncio.

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Meditação breve (76) Ruínas

Fred Boissonnas, Quiet Greece, 1903-1930

A comoção que se sente perante ruínas de um passado - e pouco importa se ele foi glorioso ou não - pouco em a ver com esse passado. Não é nostalgia o que se insinua no coração, mas uma angústia vivaz por sermos expostos ao nosso próprio futuro.

domingo, 1 de abril de 2018

Poemas do Viandante (680)

Yves Klein - Anthropométrie sans titre (ANT 171) (c. 1960)

680. manchas de azul

manchas de azul
crescem
contra a inocência
do mundo
cantam em desvario
e desvalidas
tingem de cobre
o sulfato
da melancolia

(20/12/2016)