segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Poemas do Viandante (612)

Yves Klein - Empreinte du fond d’une baignoire vide dont l'eau avait été colorée de Vermillon (1960)

612. lento e leve levita

lento e leve levita
o vento
poeiras de sódio
rastos de sílica
traços de lítio
seguem
na folha caída
do sonho sonhado
na cegueira de deus

(07/12/2016)

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Meditação breve (14) - Crença e dúvida

Francisco Arjona - ¡Adelante con la duda! (1985)

Não é a dúvida que mata a crença. É a crença que não se põe em dúvida que acaba por morrer anémica.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Haikai Urbano (3)

Francisco José Pérez Masedo - Extrarradio (2000)

o novo deserto
sol cimento e solidão
rumores de cinza

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Poemas do Viandante (611)

Yves Klein – Allures (1959)

611. cidades sitiadas

cidades sitiadas
de silvas e cal
manchas
breves
e máculas de óxido
no ócio
das ruas presas
ao verniz do vendaval

(07/12/2016)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Velhas árvores

Edvard Munch - Old Trees (1923-25)

As velhas árvores exercem sobre a imaginação um fascínio tão grande como o fogo ou a água. Estes remetem para os elementos primordiais que seriam, juntamente com o ar e a terra, como um dia se supôs, os componentes de que todo o resto se fabricaria. A velha árvore fascina a humanidade, contudo, por outro motivo. Melhor, por vários motivos. Ela, devido à sua dimensão, parece ligar o fundo da terra ao próprio céu. Vemo-las como como um eixo de ligação entre mundos. Mas não é só por isso que elas nos fascinam. A sua idade, muitas vezes incomensurável com a esperança de vida dos homens, e a sua impassibilidade acordam em nós o desejo, nunca satisfeito, de enfrentar o tempo e as suas peripécias. Fascinam-nas porque são mensageiras da eternidade perante olhos demasiado conscientes de que são breves e passageiros.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Meditação breve (13) - Solidão

Carlo Carra - Solitudine (1917)

A solidão abre a porta para o silêncio, mas é preciso que o solitário se cale e deixe o lobo devorador do pensamento apaziguar-se.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Meditação breve (12) - Nostalgias

Umberto Boccioni - Estados del alma I: Los que se quedan (1911)

Pior que a nostalgia dos que partem é a nostalgia dos que ficam. Os primeiros sentem falta do que conheceram. Os segundos sentem apenas uma falta sem conteúdo e que nada pode preencher.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Haikai do Viandante (315)

Antonio Tápies - Pintura gris verdosa (1954)

dias de frio e cinza
nas planícies do inverno
silêncio na tarde

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Poemas do Viandante (610)

Lucio Muñoz - 2-85 (1985)

610. estendo um lençol

estendo um lençol
de azul
no ruído das rochas
e espero
o mar
e as marés de março
para ver o riso
de ouro na artéria
sulfídrica
da sulfurosa tristeza

(07/12/2016)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Exterior e interior

Alejandro Mesonero - Exterior - Interior

Uma das armadilhas da vida do espírito reside na oposição entre exterior e interior. Uma longa tradição, composta de múltiplos matizes, vê a vida espiritual como pura interioridade, como tendo a sua génese e o seu território na vida subjectiva. O exterior é sentido como uma ameaça a esse paraíso de onde brotaria a criatividade e a espiritualidade humanas. Exterior e interior, contudo, definem-se um pela relação com o outro, o que em vez de os tornar opostos mostra-os como complementares. Não há vida do espírito sem esse imenso território exterior onde o espírito se configura. Não há mundo sem um espírito que lhe dê figura e, pela sua actividade, sentido. O espírito não é outra coisa senão aquilo que supera a diferença entre o exterior e o interior e, estando neles, está aquém e além deles.