sábado, 21 de fevereiro de 2015

De periferia em periferia

Henri Rousseau - House on the Outskirts of Paris (1902)

Os homens, levados pela vaidade e a frívola ilusão, julgam que o lugar que lhes cabe é sempre o central. E para chegar ao centro do mundo gastam a pouca energia que lhes cabe. O viandante há muito que tomou o caminho da periferia. Por vezes, entra numa casa e descansa, para logo retomar o caminho e, de periferia em periferia, seguir a voz que, na distância, o chama e o conduz para onde a frivolidade dos homens não se deixa arrastar.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Haikai do Viandante (222)

Manuel Gil Pérez - Formas dinâmicas espaciais (1957)

no espaço aberto
descobre-se no amarelo
a luz do deserto

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O céu e a terra

Jean-Michel Folon - A propos du ciel et de la terre (1989-90)

Na cosmologia antiga, de Aristóteles a Ptolomeu, a terra e os céus eram qualitativamente diferentes. Essa qualidade diferenciada tinha uma interpretação religiosa. Com o advento da astronomia galilaica, essa diferença qualitativa desapareceu. Num primeiro impulso pode-se pensar que não faz sentido qualquer interpretação religiosa fundada na relação entre a terra e o céu. A verdade, porém, é que aquela diferença era uma prisão, mesmo para o sentimento do sagrado. Terra e céu, libertados da separação, contaminam-se agora. Se o céu pode ser tocado pelo profana, a terra não deixa de ser penetrada pelo sagrado. Entre um e outra, porém, está o homem, o mediador.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Poemas do Viandante (498)

Gustave Courbet - Donna con l'onda (1868)

498. tudo aquilo que colhes

tudo aquilo que colhes
na luz da harmonia

tudo aquilo que te chama
na voz da alegria

tudo aquilo que te espera
na sombra do dia

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Um e o mesmo

Xaime Quessada - O piano (1957)

Não, não, a música não é um lenitivo ou um analgésico para as agruras da viagem. A música é um sinal que indica ao viandante que o mistério faz parte da sua viagem. Não é, porém, apenas um sinal do mistério, ela é ainda um símbolo. Na música, a voz que chama e aquele que escuta tornam-se um e o mesmo, como se, na viagem, o viandante, o caminho e o sempre adiado destino fossem um e o mesmo.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Poemas do Viandante (497)

Paul Klee - Fire and Death (1940)

497. o incêndio que se abre

o incêndio que se abre
na noite invernosa

traz em si um fogo frio
a palavra hostil

com que a vida se desenha
no limiar da morte

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Do mediador

Vincent Van Gogh - Roots and Tree Trunks (1890)

Quantas vezes o homem se julga uma folha a levitar, como se o seu domínio fosso o do alto? O império do homem, porém, é o do meio, aquele que fica entre o céu e a terra. Por isso, ele precisa do tronco e das raízes. Não apenas porque a sua natureza assim o exige, mas porque o céu e a terra precisam de um mediador, daquele que, na sua viagem, os une, estabelecendo a ponte que une aquilo que está afastado.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Tempos de catástrofe

Malcolm Morley - A Era da Catástrofe (1976)

Os tempos de catástrofe são tempos de revelação. A catástrofe torna, com brutalidade, mais clara a natureza perecível do mundo e das nossas esperanças na ordem do mundo. No momento em que tudo desaba, a verdade eleva-se e rapta o espírito, como se uma ilusão contumaz se desfizesse e tudo pudesse agora ser visto segundo um novo olhar. 

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Planaltos e cumes

Felix Vallotton - Le plateau de Bolante (1917)

Nos planaltos a vida é suave e o horizonte amplo. Um planalto convida o viandante à vida sedentária, aos prazeres do trabalho recompensado pela generosidade da terra. O espírito, porém, é como o vento e sopra onde quer. O cume da montanha chama por ele e, movido pela voz que escuta, deixa o conforto e segue o seu caminho. Na terra, não há lugar que seja a sua casa.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Haikai do Viandante (221)

Caspar David Friedrich - Winter Landscape with Church (1811)

a neve caiu
sombra sobre a floresta
um segredo canta