quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Haikai do Viandante (214)

JCM - Símbolos, signos e sinais (2007)

Mar de areia e sal
cobres o chão de sinais:
vens e logo vais.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Do florescer

Kenneth Noland - Florescer (1960)

A viagem espiritual está longe de se deixar descrever pela metáfora dialéctica em da transformação do botão em flor, de um botão que contém em potência o flor em que se transformará. Devemos imaginá-la antes como uma outra forma de florescimento, no qual a flor se vai tornando, na viagem, cada vem mais naquilo que é, vai sendo cada vez mais flor.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

A tempestade

Gustavo Torner - Como a tempestade (1959)

Temos medo de pensar em tempestades, não vá esse pensamento atraí-las. O caminho do viandante, porém, não está isento delas. Tarde ou cedo elas acabam por chegar para moldar o espírito e abrir uma via que, talvez sem se saber, estava fechada. Tudo o que acontece na viagem, tempestade ou bonança, faz parte da aprendizagem da via, queiramos ou não.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Poemas do Viandante (485)

Remedios Varo - Modernidad (1936)

485. estou exausto de tanta modernidade

estou exausto de tanta modernidade
e no passado não há como caminhar
tão pouco a glória do futuro me chama
para da nova era o nome anunciar

restam-me os dias com a sua sombra
e o velho sonho nunca sonhado
restam-me alguns devaneios
abertos sobre um oceano cansado

como eu queria ser não moderno
ter toda a luz na lenda e no mito
e ao acordar de manhã rezar
a oração que outro tivesse escrito

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Da multiplicidade das paisagens

Giorgio Morandi - Paisagem (1913)

Uma ilusão comum reside na convicção de que, na viagem, o viandante encontra múltiplas e diferentes paisagens, às quais, para sobreviver e prosseguir o caminho, terá de se adaptar. A ilusão não está na convicção da existência dessa multiplicidade, mas no facto de ela ocultar que o viandante traz em si, também ele, uma multiplicidade de paisagens que vai projectando no caminho, num jogo de revelação, no qual ele descobre aquilo que lhe pertence.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Um estranho sortilégio

Julián Momoitio Larrinaga - Ballet

Deixar o corpo elevar-se, suspender a gravidade, traçar um halo de beleza no espaço desolado do mundo. Quando as luzes se apagam e o movimento cessa,  os espíritos tornam-se corpo e o mundo acorda de um estranho sortilégio.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

As luzes do mundo

Otto Dix - Lichtsignale (1917)

A ânsia do homem pela luz leva-o muitas vezes a confundir as luzes do mundo com a luz do espírito. Basta, porém, alguma atenção para se vislumbrar, sob os efeitos das luzes mundanas, os sinais da morte e das trevas. Sempre que, pela mão do homem, a luz se excede em brilho e em exuberância, deveremos de imediato suspeitar que algo muito negro se acoita e esconde naquele brilho.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Haikai do Viandante (213)

JCM - A night at the opera (2008)

Para lá dos montes
põe-se um sol outonal.
Fria luz no horizonte.

domingo, 16 de novembro de 2014

Do papel do equívoco

Jean Dubuffet - Banco de equívocos (1963)

Quantas vezes a vida não é senão um banco de equívocos, de erros, de mal-entendidos? Perante isso, há a tendência para ver a fonte do mal nas capacidades interpretativas do sujeito. É ele que se engana, que interpreta mal as vozes que o chamam, que se deixa enredas nas teias do erro. E no entanto a palavra equívoco tem, na sua raiz, um outro ensinamento. Pode-se dizer que a ambiguidade presente no equívoco está na igualdade (āequus) das vozes que chamam (vocāre) o homem. É a própria realidade que o enreda e o leva à perda. Mas se assim é, poderá ainda a perda ser considerada uma perda? Não será antes um caminho de aprendizagem?

sábado, 15 de novembro de 2014

Estabelecer pontes

Camille Pissarro - Charing Cross Bridge, London (1890)

A ponte enquanto símbolo não é apenas aquilo que une dois pontos do caminho que, por um qualquer acidente, se cindiu. A ponte é o único caminho que resta ao viandante, pois a sua viagem é o contínuo estabelecer de ligações entre o aquém e o além, descobrindo, porém, que o aquém, o além e a ligação que os une são uma e a mesma coisa. Só se pode unir aquilo que já está unido.