domingo, 20 de abril de 2014

Domingo de Páscoa

Agnes Marttin - Sem título n.º 11 (1977)

Na genealogia da palavra Páscoa encontramos duas raízes que merecem meditação. Em primeiro lugar, a pesakh hebraica, que significa literalmente passagem. Em segundo lugar, a pascua, vinda do latim vulgar e com a significação de pastagem. A Páscoa, na tradição católica, não é, então, apenas um tempo de transição ou uma experiência do trânsito da morte para vida, de ressurreição. Sendo isso, ela é também alimento, aquilo que permite manter a vida viva.

sábado, 19 de abril de 2014

Sábado de Aleluia

Agnes Martin - Canción (1962)

A transição entre a morte e a libertação dessa morte é feita pelo canto de louvor. É isso que encontramos no denominado tríduo pascal, como se a transição entre a morte e a ressurreição se fizesse cantando. Isto permite-nos compreender uma outra forma de dialéctica, diferente daquela que tem no seu cerne a negação. O negativo é agora o ponto de partida, mas o homem através do canto de louvor - Aleluia! - ergue-se à plenitude da vida, à emancipação da morte e à afirmação da vida.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Sexta-feira de Paixão

Mark Rothkovich (Rothko) - Nº 14 (1960)

A paixão torna visível aquilo que o homem gosta de esconder, os limites da sua liberdade. No sofrimento que toda a paixão impõe, o homem descobre-se não como ser glorioso e altivo, mas como alguém passivo, como paciente a quem uma força estranha impõe um desígnio que contraria a sua vontade. Sexta-feira de Paixão simboliza a experiência limite do desapossamento de si, da entrega completa e total àquilo que o ultrapassa, como se o caminho para si mesmo começasse na negação da sua vontade.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Quinta-feira de Endoenças

Jacinta Gil Roncalés - Composição dinâmica (1991)

Endoenças, nelas ainda se escuta a ideia de indulgência. Na indulgência, não devemos apenas escutar o perdão. Ali fala também a tolerância. No perdão, reconhece-se que o homem praticou o mal e que o praticou deliberadamente. Há nesta relação dinâmica entre o fazer o mal e o perdoar um traço que acaba por sublinhar o poder dos homens, essa sua capacidade para distribuir o mal no mundo. Na tolerância, porém, compreende-se a fraqueza dos homens, a sua fragilidade. A indulgência, neste sentido, deve ser sentida como uma verdadeira humilhação, como a revelação da nossa impotência essencial.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Torres de Babel

Alfred Eisenstaedt - A man standing in the lumberyard of Seattle Cedar Lumber Manufacturing (1939)

A desmedida é o duplo sintoma do desejo e do medo do homem. O homem teme aquilo que não pode medir. Perante essa desmedida, essa alteridade radical, ele, por vezes, aproxima-se com temor e tremor. Outras vezes, porém, sonha com a sua própria desmedida. Nessas alturas, não é o temor ou o tremor que o aproximam do infinito, mas essa estranha propensão para construir Torres de Babel.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Haikai do Viandante (184)

Michael Kenna - French Canal, Study 2, Loir-et-Cher, France (1993)

caminhos sombrios
desenham-se pelas margens:
árvores e rios

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Abrir a janela

Alfred Eisenstaedt - Beethoven’s bust, Beethovenhaus, Bonn, Germany (1934)

Abrir a janela para que a luz chegue e permita que o viandante não caminhe na escuridão. Como o ciclo do dia e da noite, também o homem está exposto a esse jogo onde luz e trevas se sucedem, segundo a ordem das coisas. O risco está na interferência humana naquilo que a ultrapassa. Quantas vezes o dia já chegou e o homem, fechado em si, se esqueceu de abrir a janela?

domingo, 13 de abril de 2014

A luz do corpo

Imogen Cunningham - Jackie (1928)

Quantas vezes o visível não é mais do que opacidade. A nudez está longe de ser uma ostensiva exibição. Pelo contrário, ela pode ser um exercício de pudor, onde o corpo ao mostrar-se se oculta na luminosidade que dele emana. Inebriado pelo espectáculo e cego pela luz, o espectador perde o mistério que ali se manifesta.

sábado, 12 de abril de 2014

Um leve murmúrio

Ray K. Metzker - City Whispers, Los Angeles (1981)

Penso na ideia de uma cidade dos sussurros e vejo-a na sua razão de ser. Podemos pensar que onde apenas se sussurra, onde só leves murmúrios se fazem ouvir, a vida está de tal forma comprometida pelo medo que ninguém ousa levantar a voz e falar. Há, porém, espaços onde a liberdade não impede a fala, mas que solicitam que aqueles que tomam a palavra o façam em leves murmúrios. São os lugares onde se manifesta uma Palavra mais decisiva e fundamental do que a palavra dos homens. E essa Palavra é tão decisiva que estes compreendem que a sua voz não se deve erguer - se não querem cair no ridículo - para lá do leve sussurro.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Poemas do Viandante (454)

Gianni Berengo Gardin - Venice (1958)

454. Sob o céu de Veneza

Sob o céu de Veneza,
dançamos pelos campos.

Somos de outro tempo,
de outra luz, de outra rua.

As mãos nas mãos perdidas,
o desejo que chega.

E tudo se incendeia
sob o céu de Veneza.