29. A ROSA
deixo a palavra
pedra abandonada
ao vento
e canto-te
antes de a rosa
abrir
desfolhada
sexta-feira, 26 de junho de 2009
sábado, 20 de junho de 2009
Poemas do Viandante (28)
28. SE
se o anjo
fala na noite
e nas trevas
olha o coração
como respirar
o frio do inverno
o terror
duma manhã
de verão
se o anjo
fala na noite
e nas trevas
olha o coração
como respirar
o frio do inverno
o terror
duma manhã
de verão
sexta-feira, 19 de junho de 2009
Criar e ser criado
"O poeta entra em si mesmo para criar. O contemplativo entre em Deus para ser criado." (Th. Merton) Se o caminho para entrar em Deus for o de entrar em si mesmo, então o acto de criar e o de ser criado confundem-se e o artista criador não é mais do que criação, imagem e semelhança daquele que o cria. E aqui podemos surpreender um sentido novo da mimésis grega. A mimésis, a imitação, não residiria essencialmente na criação de uma cópia da realidade natural, mas na imitação do gesto criador. O artista cria à imagem e semelhança do Criador, desse Criador que continuamente me cria. Em arte, nomeadamente em poesia, a mimésis do real empírico é absolutamente secundária relativamente a esse mimésis mais originária, a da identificação do artista com o Deus criador. Sendo assim, todo o acto artístico tem uma dimensão litúrgica na qual o artista imita ritualmente o gesto criador de Deus, O celebra e O cultua. Por isso, não há arte profana. Toda a verdadeira arte pertence ao domínio do sagrado, tenha ou não o artista consciência disso.
quarta-feira, 17 de junho de 2009
Poemas do Viandante (27)
27. VELHA CANÇÃO
sem medida
quem tudo mede
uma vara
uma sombra
a palavra de gelo
na velha canção
oiço-a crepitar
sem medida
quem tudo mede
uma vara
uma sombra
a palavra de gelo
na velha canção
oiço-a crepitar
terça-feira, 16 de junho de 2009
Poemas do Viandante (26)
26. OIÇO-OS CANTAR
pássaros
no colmo
do telhado
oiço-os cantar
no sono leve
e frio
se adormecem
ao luar
pássaros
no colmo
do telhado
oiço-os cantar
no sono leve
e frio
se adormecem
ao luar
A maior ilusão
A maior ilusão é aquela que reside na confiança de que as coisas são como nós julgamos que são. De um momento para outro, tudo rui e a realidade mostra-se totalmente outra, surpreendente. Como poderemos nós guiar-nos pela ânsia da estabilidade, se mesmo o que temos por mais certo não é senão incerto. Abrir o espírito para a incerteza do mundo e deixar vir essa incerteza no seu ser incerto. Nada esperar, nada desejar, mas aceitar aquilo que for enviado.
segunda-feira, 15 de junho de 2009
O caminho do amor
Já longe na jornada, o viandante pergunta-se: qual é a tua via? Busca dentro de si, busca perplexo no silêncio da noite, busca o que ele bem sabe desde há muito. A sua via não é do encontro amoroso com o divino. Há no caminho do amor algo que o deixa sempre frio, como se o excesso de sentimento ou de afecto fosse um obstáculo ao próprio caminhar. Vários são os caminhos e cada um só pode percorrer o seu próprio, aquele a que foi chamado.
domingo, 14 de junho de 2009
Poemas do Viandante (25)
25. VENTO
sopra o vento
na ramagem
do quintal
um corpo
um anjo
a luz
que se apaga
se passa o umbral
sopra o vento
na ramagem
do quintal
um corpo
um anjo
a luz
que se apaga
se passa o umbral
sábado, 13 de junho de 2009
Viagem
Ser viandante é apenas estar em viagem, mas a viagem é infinita, não tem princípio nem fim. Um dia, surpreendemo-nos na viagem, mas ainda não percebemos que estamos a viajar, pois não sabemos de onde viemos nem para onde vamos. Temos a ilusória esperança de encontrar uma meta para onde caminhar. Mas enquanto caminhamos e caminhamos, enquanto nos vamos perdendo no caminho e, filhos pródigos, retornamos ao viajar, começamos a pensar que nada há para além do viajar. Talvez haja ainda, nesse momento, a necessidade de uma trégua, a busca de uma finalidade, a ânsia de um fim. Isso, porém, é a voz da nostalgia dos verdes anos. Com o tempo descobre-se que é uma doença benigna, com o passar dos dias e dos anos acabará por passar. Por fim, revela-se no viajar a essência do viandante. Nessa luz, ele sabe que não se dirige para lado nenhum, pois não há qualquer lado onde ir, descobre que ir ou permanecer são exactamente a mesma coisa, são ainda e só a viagem.
sexta-feira, 12 de junho de 2009
Poemas do Viandante (24)
24. FOGO
fogo
penumbra
desta mão
nome
tão veloz
dói
se toca
a ausência
foge de nós
fogo
penumbra
desta mão
nome
tão veloz
dói
se toca
a ausência
foge de nós
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