| Jean François Millet, Pastora com su rebaño, 1864 |
luz fria de inverno –
no campo restolho e erva
abrem-se ao rebanho
| Charles Job, Pulborough Bridge, 1907 |
| Fernando Calhau, sem título #384, 1980 |
| Paul Gauguin, Village breton sous la neige, 1894 |
a pele de onça das tardes frias
estendeu-se como um véu sobre a
rua
os corações descompassados
tremem
esquecidos em metáforas mortas
uma invernia austera e sem nome
abre-se ao fogo-fátuo das
lareiras
caminho pelo meu coração
hesitante
sou o animal que vela o frio
das ruas
Janeiro de 2025
| John Ruskin, A River in the Highlands, 1847 |
| Modesto Urgell Inglada, Tempestad |
| Paul Signac, Au temps d'harmonie, 1894 |
| Camille Pissarro, Manhã de Inverno no Boulevard de Montmartre |
de súbito o inverno germinou
no frio da terra desamparada
o deus dos campos recolheu-se
as aves cruzam os ares da
cidade
vestígios do ouro dos dias
quentes
ecoam no murmúrio do meio-dia
a desolação de campos e prados
resplandece no néon das
avenidas
Dezembro de 2024
| Rolando Sá Nogueira, sem título, 1959 (Gulbenkian) |
| Querubim Lapa, sem título, 1947 |
| Raimundo de Oliveira, Pentecostes, 1964 (Gulbenkian) |
| Benvenuto Benvenuti, Cipressi e colombe, 1906-7 |
| Amadeo Souza-Cardoso, Étude A [Gëmalde A / Quadro A], 1913 (Gulbenkian) |
a gramática outonal dissolve-se
o caos instala-se
no fraseado da estação
colheitas e vindimas esquecidas
cheios de silêncio
dormem adegas e celeiros
na cidade incandescente
ouve-se a voz do frio
ecoa nas janelas fechadas
Dezembro de 2024
| Pietro Sarto, Bassin Lemanique, 1981 (Gulbenkian) |
| Francis Smith, Le Port à Honfleur, 1958 (Gulbenkian) |
| Hugo Canoilas, Formas de vida simples que regressam ao mar, 2020-2023 (Gulbenkian) |
| Dorothea Lange, Woman’s foot, Vietnam, 1958 |
| Flor Campino, sem título, 1961 (Gulbenkian) |
| Ana Hatherly, sem título, 1972 (Gulbenkian) |
Olhamos e não sabemos o que vemos. Uma floresta? Uma multidão? O afastamento das coisas torna a sua imagem imprecisa e as nossas representações desadequadas. Talvez, vista do espaço sideral, seja uma floresta de homens, uma multidão petrificada, presa aos seus corpos vegetais, que começam a florir e haverão de frutificar quando chegar a hora.
| Amadeo de Souza-Cardoso, Avant la corrida, 1912 (Gulbenkian) |
O espectador olhava os cavalos, mas não via a corrida. Pensava, meditava, perdido na multidão, sobre a natureza das corridas. Umas não têm fim, outras não têm princípio, e havia outras que não tinham meio, pois o princípio e o fim coincidiam tanto no espaço como no tempo. E, quando o mais veloz dos cavalos se aprestava a ganhar o grande-prémio, sentiu uma iluminação: a única corrida autêntica é aquela que não tem princípio nem fim, pois é um eterno correr sem correr. Enquanto a multidão ovacionava o triunfador, ele saiu do hipódromo, pois a sua corrida não pertencia àquele mundo.