William Klane, Big face, front of Macy's, New York, 1955 |
Estranhos na noite
caminham pela cidade.
Sombras e ciladas.
Benvenuto Benvenuti, Cipressi e colombe, 1906-7 |
Amadeo Souza-Cardoso, Étude A [Gëmalde A / Quadro A], 1913 (Gulbenkian) |
a gramática outonal dissolve-se
o caos instala-se
no fraseado da estação
colheitas e vindimas esquecidas
cheios de silêncio
dormem adegas e celeiros
na cidade incandescente
ouve-se a voz do frio
ecoa nas janelas fechadas
Dezembro de 2024
Pietro Sarto, Bassin Lemanique, 1981 (Gulbenkian) |
Francis Smith, Le Port à Honfleur, 1958 (Gulbenkian) |
Hugo Canoilas, Formas de vida simples que regressam ao mar, 2020-2023 (Gulbenkian) |
Dorothea Lange, Woman’s foot, Vietnam, 1958 |
Flor Campino, sem título, 1961 (Gulbenkian) |
Ana Hatherly, sem título, 1972 (Gulbenkian) |
Olhamos e não sabemos o que vemos. Uma floresta? Uma multidão? O afastamento das coisas torna a sua imagem imprecisa e as nossas representações desadequadas. Talvez, vista do espaço sideral, seja uma floresta de homens, uma multidão petrificada, presa aos seus corpos vegetais, que começam a florir e haverão de frutificar quando chegar a hora.
Amadeo de Souza-Cardoso, Avant la corrida, 1912 (Gulbenkian) |
O espectador olhava os cavalos, mas não via a corrida. Pensava, meditava, perdido na multidão, sobre a natureza das corridas. Umas não têm fim, outras não têm princípio, e havia outras que não tinham meio, pois o princípio e o fim coincidiam tanto no espaço como no tempo. E, quando o mais veloz dos cavalos se aprestava a ganhar o grande-prémio, sentiu uma iluminação: a única corrida autêntica é aquela que não tem princípio nem fim, pois é um eterno correr sem correr. Enquanto a multidão ovacionava o triunfador, ele saiu do hipódromo, pois a sua corrida não pertencia àquele mundo.
António Sena, Lèvres errentes sur la mer, 1983 (Gulbenkian) |
De súbito as ondas
saltam da boca do mar.
Fome e tempestade.
Amadeo de Souza-Cardoso, sem título, 1915 (Gulbenkian) |
Artur Bual, Hoje VI, 1965 (Gulbenkian) |
António Areal, Opus n.º 59, 1963 (Gulbenkian) |
John Ruskin, A River in the Highlands, 1847 |
Daniel O'Neill, Returning home, 1956 (Gulbenkian) |
Ana Hatherly, Palma de Maiorca, 1958 (Gulbenkian) |
Sob o céu cinzento
paisagens de azul e verde.
Árvores e vento.
Camille Corot, Italian lanscape near Marino in Autumn, 1826-27 |
germinou a semente do outono
as folhas caem
um frémito na fronteira da
tarde
vieram intermitentes as chuvas
tocam as ruas da cidade
abrem sulcos no cenário da
memória
uma música estelar desprende-se
da harmonia dos céus
ilumina o silêncio da alma abandonada
Outubro de 2024
Candido Portinari, Fumo, 1936 (Gulbenkian) |
António Soares, sem título, 1940 (Gulbenkian) |
Gregorio Prieto Muñoz, Aranjuez, 1918-1919 |
deixo-me levedar ao sol da manhã
cresço para o esquecimento
ou para a vereda da eternidade
a música das glicínias abre o
jardim
caminho ao ritmo das flores
e bebo a água azul dos poços
os dias são agora uma oração erguida
sobre os abismos da noite
e os sonhos cegos da madrugada
Outubro de 2024