Imagem obtida com IA da CANVA |
sábado, 25 de março de 2023
Geometrias de fogo (11)
Um deus ígneo, filho do Sol, esconde-se na montanha. Cintila como uma revelação que desce sobre os homens e lhes comunica o caminho da verdade. Resplandece ao tocar as águas e tornar-se num fogo aquático, numa labareda a dançar no lago, numa promessa inquieta no coração da terra.
quinta-feira, 23 de março de 2023
A memória do ar (10)
Robert Doisneu, La gargouille de Notre Dame, 1969 |
Rainhas dos ares, quase anjos, quase animais, pura matéria inerte, as gárgulas olham o horizonte, vigiam as nuvens, perscrutam os aviões, oferecem o seu corpo de pedra ao cansaço das aves. Diante delas, o ar rodopia num turbilhão, para depois, bonançoso e invisível, pousar sobre a terra como uma canção que lentamente se silencia.
terça-feira, 21 de março de 2023
Impressões 110. Cores
Imagem obtida com IA da CANVA |
Cores irrompem do fundo negro onde tudo repousa. Rasgam a tela da escuridão e abrem as portas da luz. Então, erguem-se diante dos olhos, trazendo mensagens de um mundo onde ainda não existiam. São anjos as cores, anunciam aquilo que se esconde por dentro de tudo o que é visível.
domingo, 19 de março de 2023
A Canção da Primavera 1
sexta-feira, 17 de março de 2023
Geometrias de fogo (10)
Imagem obtida com IA da CANVA |
Um espasmo longínquo incendiou o Sol, para que este fulgurasse no horizonte, e na Terra a luz e o calor vibrassem nas planícies cinzeladas pelo vento, nas montanhas resguardadas da erosão, nas mãos dos homens que esculpem sentidos para a vida e levam o fulgor de uma vela aos lugares onde cresce a escuridão.
quarta-feira, 15 de março de 2023
A sombra da água (10)
Imagem obtida com IA da CANVA |
Antiquíssimos rios rasgaram a terra. Na infância silvestre de todos os começos, as águas selvagens derrubaram obstáculos, aplanaram leitos, esculpiram com cinzel de diamante as margens. Então o arvoredo cresceu e as sombras, se eram dias de sol, mergulharam na tepidez da corrente. Agora, passada a idade madura, tornaram-se planícies cintilantes, onde os olhos mergulham para, na contemplação do fluir do tempo, encontrarem o repouso de cada dia.
segunda-feira, 13 de março de 2023
A Luz de Inverno 12
sábado, 11 de março de 2023
Crónicas (222) O poeta
Imagem obtida com IA da CANVA |
Olhou-se
ao espelho e não soube identificar o que via. Aquela imagem seria o seu reflexo
ou a de um simulacro. Abriu a torneira do lavatório e ouviu a água correr, sem
desviar os olhos daquilo que pairava diante de si. Nem todas as manhãs o
confronto com o espelho era tão cruel, abrindo-lhe uma fenda na alma, um rasgão
na memória. Quando acontecia, porém, era tomado pelo medo e uma dor germinava por
dentro do corpo, aumentava enquanto a água desaparecia. Chegado ao paroxismo da
dúvida, ao momento em que a dor se tornava insuportável, apagava a luz, voltava
costas e corria para a secretária. Caneta na mão, escrevia o primeiro verso.
Olhava-o com alívio, depois outro e outro, até que a dor desaparecia e a dúvida
tombava vencida por terra.
quinta-feira, 9 de março de 2023
A memória do ar (9)
Imagem obtida com IA da CANVA |
As ruas são artérias por onde o ar, a matéria sanguínea das cidades, corre, para refrescar quem se abrasa submetido aos imperativos da necessidade ou, feito vento, purificar o hálito insalubre que se eleva de grandes ou pequenos edifícios. De cima dos arranha-céus, anjos invisíveis sorvem sem pressa os vendavais que se erguem no horizonte, para que os homens não sejam arrastados pelo ciclone que toda a vida esconde.
terça-feira, 7 de março de 2023
Impressões 109. Universos circulares
Imagem obtida com IA da CANVA |
Universos circulares escondem-se como velhas praças secretas que só os amantes, perdidos na sua inocência, conhecem. Ali flui uma energia silenciosa, a lenta combustão das memórias, o ardor dos corpos tomados pelo prazer dos sentidos. Quando uma tempestade sobrevem, um manto de de aço e acrílico desce para proteger quem ali sonha. Se a Primavera transborda num dia de luz, uma esperança verdeja no horizonte e o longínquo bramir do mar ecoa no cristal das paredes.
domingo, 5 de março de 2023
A Luz de Inverno 11
sexta-feira, 3 de março de 2023
quarta-feira, 1 de março de 2023
O Espírito da Terra (25)
Charles Job, Ploughing on the South Downs, 1907 |
Rasgar a terra para que dê fruto e o homem se alimente não do pão que dela nasce, mas do espírito que se liberta pelo infindável labor de cada dia. Então, o homem falará e, nas suas palavras, ecoará o espírito da terra, o rumor da casa onde nasceu e que o aguarda para o fazer escutar a última, a mais decisiva das palavras.
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023
Geometrias de fogo (9)
Fogo na noite (imagem gerada por IA da CANVA) |
Então, o fogo crepita como uma canção presa na armadilha da noite. Ergue-se e rumoreja, se o vento o impele. Silencia-se, quando a Lua, sobranceira, o olha de cima e lhe conta as labaredas ou lhe desenha no céu a geometria incerta com que se move, feito ladrão, por dentro das trevas e das planícies vazias da solidão.
sábado, 25 de fevereiro de 2023
A Luz de Inverno 10
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023
O sal do silêncio (95)
Pere Ysern Alié, Cuevas del Drac. Mallorca, 1920-25 |
No fundo da terra, onde a beleza se oculta de olhares ímpios, celebram-se os mistérios mais sagrados, para os quais não há linguagem que os diga ou pensamento que lhes descubra o sentido. Tudo ali é silêncio e sombra, para que o sal do segredo floresça à luz do sol e se torne palavra na boca pura da poesia.
terça-feira, 21 de fevereiro de 2023
A memória do ar (8)
Ernst Haas, View from Notre Dame, Paris, 1955 |
Vista de cima, a cidade é o rasto de uma memória que se rarefaz à medida que se sobe e o vento sopra para limpar os miasmas que da terra se elevam. O que é sólido mostra-se fluido, e um olhar treinado descobre já as frestas por onde o ar circula com a força do diamante e a transparência do éter.
domingo, 19 de fevereiro de 2023
A Luz de Inverno 9
Do Inverno, os
dias frios
de Fevereiro
recolhem-se
na gruta negra da
noite.
Estrelas caminham
pálidas,
aves perdidas no
céu,
fios de luz na
voz dos mortos.
As ruas esperam o
fogo
como as rosas, a
água
e o meu corpo, a
madrugada.
Fevereiro de 2023
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023
Geometrias de fogo (8)
Georgia O'keeffe, Era rojo y rosa, 1959 |
O fogo é uma canção que crepita no horizonte, uma parra que se desprende da vide, se chega o Outono, uma mulher tomada pela loucura do amor. Então, as chamas dançam, enquanto as cores incendiadas se desdobram, como labaredas de mármore e âmbar, entre o rosa leve da saudade e o vermelho vivo da paixão.
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023
A sombra da água (9)
Artur Pastor, Atlantic ocean, not dated |
A água enrola-se no seu mistério e desdobra-se, como uma sombra no crepúsculo, pela areia, transformando a violência que a arrasta num suave deslizar de espuma pelos interstícios da terra. Ouve-se, então, o seu rugido declinar num suave rumor, o murmúrio de quem se entrega exausto à força do que acontece.
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023
A Luz de Inverno 8
sábado, 11 de fevereiro de 2023
Pintura e haikus (29)
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023
A sombra da água (8)
Rodney Smith, Danielle in Boat, Beaufort, SC, 1996 |
O que eu queria, diz a sombra, é que os mortos se erguessem das águas e tornassem ao conforto do lar, para virem, nos dias incertos da melancolia, passear no lago, olhando as árvores e sonhando com grandes florestas, onde, como praias do Meio-Dia, se abrem clareiras, para que possam repousar por instantes, e banhar-se na luz viva do mundo ou nos aromas das flores silvestres.
terça-feira, 7 de fevereiro de 2023
A memória do ar (7)
Alexander Alland, Brooklyn Bridge, 1938 |
Pontes são passagens entre a manhã e a noite, compromissos entre dois crepúsculos, lugares de festa onde a terra cede os seus filhos ao ar. Nelas, os homens são pássaros sem asas, caminham como se voassem e sentem no vendaval do vento a casa de assombro onde dormirão descansados.
domingo, 5 de fevereiro de 2023
A Luz de Inverno 7
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023
Geometrias de fogo (7)
Jeanne Carbonetti, Abedul en otoño, 1997 |
O fogo é agora sangue inflamado na seiva das bétulas, um rasto de açafrão nas folhas caídas, o brilho do cobre se batido pelo sol, o vinho vertido na brancura da toalha. Traz com ele a tentação da iridescência, mas só a cor dos incêndios desenha o seu arco num céu toldado pelo desejo das chamas e a paixão das labaredas.
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023
A sombra da água (7)
Hiroshi Sugitomo, Cascade River, Lake Superior, 1995 |
Não são as águas que governam o movimento que as levará da nascente à foz, mas a sua sombra que, como um motor descido dos céus, lhes impõe a dança do ritmo e o fulgor da viagem, tornando-as lentas ou rápidas, conforme o desejo que germina no sombrio coração nascido do encontro entre a luz e as trevas.
segunda-feira, 30 de janeiro de 2023
O Espírito da Terra (24)
Albert Renger-Patzsch, Heidesheim (Sandaue), 1940s |
Sob a erva a terra esconde-se, para que nela a vida, como um segredo, possa germinar. Tudo o que nasce vem do silêncio da terra, de uma lenta urdidura, para que a novidade chegue envolta no véu transparente da surpresa. Os dias passam como anéis deslumbrantes de mármore, que se recolhem em dedos afilados, enquanto, no solo, cresce o odor daquilo que, ainda sem nome, virá.
sábado, 28 de janeiro de 2023
A Luz de Inverno 6
quinta-feira, 26 de janeiro de 2023
Meditação Breve (188) O tempo
Elliott Erwitt, Paris, 1989 |
Pode-se imaginar que a causa final que levou à invenção da fotografia tenha sido a de congelar para a eternidade um momento, do qual se expulsa o movimento e com ele o tempo. Depois, há fotografias em que o movimento se liberta e o tempo retoma o seu velho poder. O vento não deixará de fustigar os guarda-chuvas, o homem não parará o seu movimento em direcção aos lábios da mulher, o bailarino continuará a dar os passos que o mantêm entre o céu e a terra, como se a eternidade não fosse mais do que um tempo sem fim.
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