sábado, 11 de março de 2023

Crónicas (222) O poeta

Imagem obtida com IA da CANVA

Olhou-se ao espelho e não soube identificar o que via. Aquela imagem seria o seu reflexo ou a de um simulacro. Abriu a torneira do lavatório e ouviu a água correr, sem desviar os olhos daquilo que pairava diante de si. Nem todas as manhãs o confronto com o espelho era tão cruel, abrindo-lhe uma fenda na alma, um rasgão na memória. Quando acontecia, porém, era tomado pelo medo e uma dor germinava por dentro do corpo, aumentava enquanto a água desaparecia. Chegado ao paroxismo da dúvida, ao momento em que a dor se tornava insuportável, apagava a luz, voltava costas e corria para a secretária. Caneta na mão, escrevia o primeiro verso. Olhava-o com alívio, depois outro e outro, até que a dor desaparecia e a dúvida tombava vencida por terra.

Sem comentários:

Enviar um comentário