Clarence Laughlin, Imagination, 1944 |
terça-feira, 20 de dezembro de 2022
A memória do ar (4)
O ar é uma musa discreta, inspira sem se deixar ver, arrasta quem o ignora, eleva a quem com ele sabe dançar. Por vezes, deixa-se arrastar na violência da tempestade. Outras, é o zéfiro que cobre com brandura discreta os corpos tocados pelo aguilhão do fogo.
sábado, 17 de dezembro de 2022
A Luz de Inverno 1
quinta-feira, 15 de dezembro de 2022
O sal do silêncio (93)
R. Köhnen, Alte Mühle, 1908 |
O silêncio que devora os anos traz nele um vocabulário escrito com o alfabeto da memória. São palavras sem vocação para serem proferidas, sem poder de serem inscritas na folha rasa do papel, palavras que ressoam no bater do coração, na circulação do sangue, no sal que tolhe o movimento da língua e abre o espírito para a ciência da eternidade.
terça-feira, 13 de dezembro de 2022
Geometrias de fogo (3)
Maria Helena Vieira da Silva, A biblioteca em fogo, 1974 |
Cada livro é um incêndio e uma biblioteca não é mais do que uma estrela à volta da qual orbitam, na cegueira das suas próprias trevas, esses estranhos planetas que são os leitores. Cansados de escuridão, buscam a luz. Exaustos de frio, procuram o calor. Recebem um pouco de cada um. Se tiverem sorte ser-lhes-á oferecido o dom da inquietação.
sábado, 10 de dezembro de 2022
A sombra da água (4)
René Burri, Former Summer Palace. Dead lotus flowers on the Kunming Lake. Beijing, China, 1964 |
As águas do esquecimento dormem sob a vigilância dos céus. Cobrem-nas a folhagem da névoa, a sombra suave do dia que passa. Ali pulsa a morte destilada pelas flores de lótus que se precipitam na geometria a que o tempo as reduziu. Um segredo cresce, refracta-se nas pétalas desaparecidas, abre-se para o silêncio que a tudo resguarda do tumulto da vida.
quinta-feira, 8 de dezembro de 2022
O Ritmo do Outono 12
domingo, 4 de dezembro de 2022
A memória do ar (3)
Artur Pastor, Exposição virtual Geometrias do Algarve, décadas de 60-70 (ver aqui) |
A brancura dos sonhos fende paisagens de azul, para que o ar, com a sua memória inquieta, deixe crescer, sobre a terra, o espanto que os olhos dos homens hão-de descobrir, sempre que se sentirem perdidos entre a imensidão do oceano e o infinito dos céus.
sexta-feira, 2 de dezembro de 2022
terça-feira, 29 de novembro de 2022
A sombra da água (3)
Robert Demachy, Bords de Seine, 1906 |
Um rio desliza entre as margens. Vai preso à velha ciência da passagem. Leva com ele o segredo das aves que partiram, das árvores a que os dias roubaram as folhas, dos desígnios que incendiaram corações, para logo serem esquecidos. Transporta no dorso azul a tessitura dos olhares que nele se perderam à procura de um sentido mais alto que ali se escondera.
domingo, 27 de novembro de 2022
O Ritmo do Outono 11
domingo, 20 de novembro de 2022
Geometrias de fogo (2)
Paul Klee, Fire Wind, 1922 |
O fogo é uma cornucópia de ilusões trazida na ondulação dos ventos. Ergue-se sobre a terra para brilhar na escuridão da noite, rasteja se o dia cresce no horizonte, adormece nos braços do oceano quando o cansaço lhe torce a geometria e o arrasta como um ébrio perdido no caminho.
sexta-feira, 18 de novembro de 2022
A memória do ar (2)
James Thrall Soby, Alexander Calder with Steel Fish, in his garden,Roxbury, 1934 |
Por vezes, o vento suspende-se para que homens e objectos possam repousar sobre a terra, mas logo o ar, tomado na sua inquietude, requer que tudo se mova. Então, os ventos correm e o mundo inclina-se à passagem do mais dissimulado de todos os elementos.
quarta-feira, 16 de novembro de 2022
Meditação Breve (187) A Roda
James Valentine, The Wheel, ca 1900 |
Todas as coisas têm o poder de se tornarem símbolos e desse modo indicarem outras coisas. O que haverá de mais prosaico do que uma roda de diversão? No entanto, ela facilmente se deixa ler como uma roda da fortuna. Os que nela vão fazem a experiência da mutação contínua da sua própria posição no mundo. Nada na terra é eterno. O que sobe descerá, o que desce elevar-se-á.
segunda-feira, 14 de novembro de 2022
O Ritmo do Outono 10
sábado, 12 de novembro de 2022
A sombra da água (2)
Desconhecido, Sailboat on Lake, 1912 |
Planícies de água onde desliza a vida e as sombras ganham forma, modelando a luz. Ali, todo o ritmo se torna mais lento, como se o mundo, na sua ambígua fluidez, substituísse a urgência pela vagarosa passagem das horas, pela demora com que os seres chegam ao coração da sua própria natureza.
quinta-feira, 10 de novembro de 2022
Geometrias de fogo (1)
Vincent Van Gogh, Wheat Field with Sun and Cloud, 1889 |
O fogo é um discurso que brilha nos recantos da noite escura ou no silêncio que se abre no espaço entre nuvens. Desce sobre nós numa geometria feita de inquietação, toca-nos na cabeça para reverberar nos dedos ou no coração. Então, o fogo fala e todo ele é silêncio, a força que habita no mais íntimo que há no vazio e que daí traz ao ser tudo aquilo que é.
terça-feira, 8 de novembro de 2022
A memória do ar (1)
Kurt Hielscher, Windmills in Dobrogea or Basarabia, Romania-Bulgaria, c. 1930s |
Uma paisagem semeada de moinhos é um exercício memorial. Abre o coração para a força do vento e o segredo que se esconde na transparência do ar. Olhamo-la como uma anamnese dessa esperança escondida no fundo do homem, a de um dia fazer dos ares o seu elemento natural.
domingo, 6 de novembro de 2022
O Ritmo do Outono 9
sexta-feira, 4 de novembro de 2022
Meditação Breve (186) Milagre
Artur Pastor, Série “Outras Geometrias”. Monsaraz, décadas de 40-60 (ver aqui) |
Da alvura das paredes, da cintilação da cal, do peso dos anos, de tudo isso, como de um fruto longamente amadurecido, brota um murmúrio, logo transformado em canção, para se erguer ao céu como um hino de louvor àqueles lugares onde o tempo se dobra para, fruto de um milagre nascido da vontade de um Deus abscôndito, correr mais lento e apaziguado.
quarta-feira, 2 de novembro de 2022
A sombra da água (1)
segunda-feira, 31 de outubro de 2022
O sal do silêncio (92)
Frederick Boissonnas, Dans la Montagne, 1905 |
Naquele lugar ermo, um punhado de casas perdidas faz lembrar uma aldeia tomada pelo salitre dos dias. Envolvidas pelos cumes das montanhas, à espera da névoa, são ainda um sinal da presença. Não do homem, mas desse silêncio de onde nasce tudo aquilo que é decisivo.
sábado, 29 de outubro de 2022
O Ritmo do Outono 8
quinta-feira, 27 de outubro de 2022
O Espírito da Terra (23)
Frederick Britton Hodges, November skies, c. 1915 |
Sob os céus de Novembro, a terra recebe os pesados encargos que o homem lhe trouxe. Serva submissa e fiel, entrega a sua pele para o livre devaneio ou a imperativa necessidade dos homens. As nuvens sorriem-lhe, e as árvores despem-se para que as suas folhas, ao morrer, a cubram e lhe levem o alimento que a tornará uma e outra vez criança mergulhada no rubor da inocência.
terça-feira, 25 de outubro de 2022
Impressões 107. O homem do saco
Francesc Català-Roca, El hombre del saco, 1950 |
O homem do saco, esse terror da imaginação infantil, afinal é apenas uma sombra que se projecta no chão daquelas ruas esconsas, onde só o silêncio tem voz. Não rouba crianças, nem sonhos, nem solidões. Vagabundeia por onde a luz viva do Sol faz incidir os seus raios, para criar ilusões a quem, de longe, o vê aproximar. Caída a noite, não há quem o veja, pois também ele, então, treme diante do artifício da sua sombra nocturna.
domingo, 23 de outubro de 2022
sexta-feira, 21 de outubro de 2022
O Ritmo do Outono 7
quarta-feira, 19 de outubro de 2022
Biografias 32. O guarda do parque
Paul Almasy, Paris, 1960s |
Não lhe compete a ordem pública, apenas a certificação de que as regras privadas sejam cumpridas. Cuida para que estranhos invasores não destruam os carros à sua guarda ou que motoristas desavisados danifiquem as viaturas que ali dormem o sono reparador, que lhes devolverá a energia mal os proprietários as façam trabalhar. Fundamentalmente, ordena a relação entre a passagem das horas e o custo, para que a cada fracção de tempo corresponda o preço estipulado. Sem o saber, o guarda do parque, mais que ao parque e aos automóveis, guarda com zelo essa estranha equivalência entre tempo e dinheiro, e fá-lo de tal modo que se é levado a crer que se pode comprar o tempo como se fosse mercadoria à disposição de quem acumulou generosas quantias para, pagando o tempo, se livrar da morte.
segunda-feira, 17 de outubro de 2022
O Espírito da Terra (22)
Gertrude Käsebier, Blossom Day, 1904-05 |
Os dias em que a Terra se elava pela metamorfose de um botão em flor são marcos miliários no caminho da glória. O sólido e árido crucificam-se para que a seiva corra como um rio em busca da foz. Então, chega a hora em que a beleza se manifesta e tudo o que pertence à Terra se transforme em puro espírito.
sábado, 15 de outubro de 2022
Diálogos morais 64. Visão
Paul Strand, Conversation, 1916 |
- É o que te digo.
- Não posso crer.
- É a mais pura verdade.
- Custa a compreender.
- Também a mim custou.
- Como foi possível?
- Foi o que me perguntei na altura.
- Não admira, também me teria feito a mesma pergunta.
- É inacreditável.
- Agora que me disseste, ainda me custa a crer.
- Se não tivesse visto, não acreditava.
- Ah... viste.
- Com os meus próprios olhos.
- E ainda crês naquilo que os teus olhos vêem?
quinta-feira, 13 de outubro de 2022
O Ritmo do Outono 6
Subscrever:
Mensagens (Atom)