Harold Edgerton, Stroboscopic Study of Man Hitting Tennis Ball, 1949 |
sexta-feira, 17 de abril de 2020
Meditação Breve (124) O uno e o múltiplo
quarta-feira, 15 de abril de 2020
A Sarça Ardente - 16
Jacinta Gil Roncalés, Composición en fríos, 1991 |
Deixemos um louvor à
terra,
ao aroma
das primeiras chuvas,
os cardos a despontar
nos dedos da noite.
Somos exilados e em
peregrinação
levamos no vazio
os círios colhidos
em silêncio no lago da
memória.
Na neve há uma coroa
de água,
a brancura
oblíqua da alma,
os lábios a latir na
luz do coração.
Março de 2020
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segunda-feira, 13 de abril de 2020
Micronarrativa (31) A verdade
Edward Weston, Meraux Plantation House, Louisiana, 1941 |
Durante muito tempo foi um lugar vibrante. As gerações sucediam-se, presas à certeza da continuidade. A casa era renovada ao gosto de cada época, sem que perdesse a sua unidade, a luz que a guiava. O último membro da família, porém, morreu sem filhos nem herdeiros. A estirpe cansou-se e a casa encontrou a sua verdade no abandono e na ruína.
sábado, 11 de abril de 2020
quinta-feira, 9 de abril de 2020
Cansaço
Duane Michals, Empty New York, 1964 |
Não, está enganado. Não foi nenhuma ameaça. Não havia guerra
nem epidemias no horizonte, a vida corria como sempre. As pessoas cansaram-se.
Sim, cansaram-se das outras, do trânsito, do ar irrespirável e foram-se embora.
A cidade foi-se esvaziando e hoje não tem mais moradores do que uma pequena
aldeia. Para onde foram? Ninguém sabe. Os que aqui ficaram não se interessaram
pelo destino dos que partiram. Não temos televisão, nem imprensa, não ouvimos
rádio. Caminhamos pelas ruas, observamos os lugares vazios e podem passar-se
meses sem que avistemos outro ser humano. Raramente trocamos palavras. Se
alguém morre, o mais certo é que não haja quem disso se aperceba. Também nós
estamos cansados.
terça-feira, 7 de abril de 2020
Diálogos morais 36. O tempo
Constantine Manos, Shepherds with goat. Crete, Greece, 1964 |
- Que o tempo passe.
- Não é isso que ele faz continuamente?
- Nem sempre.
- Nem sempre?
- O tempo existe para nos contrariar. Quanto mais desejamos que passe, mais ele permanece imóvel.
- Não é verdade, olha um relógio. Não brinca com o nosso desejo, avança indiferente e inexorável.
- Um relógio não é o tempo.
domingo, 5 de abril de 2020
A Sarça Ardente - 15
Sam Francis, Around the Blues, 1957-62 |
A discórdia nupcial
das nuvens
ressoa em trovejos
na lonjura sem medida dos
campos.
Cavalos pastam
silêncios de erva
e uma sirene ecoa
ao longe, sobre a
caruma dos pinheiros.
O ardor da solidão
chama por mim,
enquanto espero
do anjo o anúncio do
alvor da aurora.
Março de 2020
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sexta-feira, 3 de abril de 2020
Haikai do Viandante (390)
quarta-feira, 1 de abril de 2020
O homem entre ruínas
Dmitri Kessel, A man walking through the remains of an ancient temple in Athens. 1944 |
Todas as manhãs era visto a passear entre as ruínas. Verão ou Inverno, chovesse ou fizesse sol, ao raiar da aurora ele aparecia e passeava, durante umas horas, para cá e para lá. Um passo lento, parecia querer absorver o espírito do lugar em cada aspiração. Chamavam-lhe, não sem ironia, o homem entre ruínas. Não se conhece quem tenha trocado alguma palavra com ele, ou quem dele se tivesse aproximado. Formou-se uma tradição de distanciamento e era nessa distância que ele ia e vinha. Um dia, desavisado, um forasteiro dirigiu-lhe a palavra. Ele estancou, olhou-o perplexo e todo o seu corpo se tornou imponderável. À vista de todos, ergueu-se aos céus e desapareceu atrás de uma nuvem.
segunda-feira, 30 de março de 2020
Pintura e haikus (15)
sábado, 28 de março de 2020
Impressões 50. Uma mulher sombra
quinta-feira, 26 de março de 2020
A Sarça Ardente - 14
Elmer Bischoff, #13, 1974 |
Rogo ao deus do
Inverno e da noite
uma luz de rosas
sobre o esplendor da
montanha.
Perco-me no sabor de
uma laranja,
o fruto bebido em
sorvos
de âmbar e gomos de
maresia.
A caravela do desejo
fez-se ao mar
e no oceano encontrou
um cardume na poalha
dos teus dedos.
Março de 2020
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terça-feira, 24 de março de 2020
Histórias sem nexo 6. A mulher muda
domingo, 22 de março de 2020
Impressões 49. Música
sexta-feira, 20 de março de 2020
Haikai do Viandante (389)
quarta-feira, 18 de março de 2020
Diálogos morais 35. Simbolismo
segunda-feira, 16 de março de 2020
A Sarça Ardente - 13
sábado, 14 de março de 2020
Meditação Breve (123) Medo
David Turnley, Fearful Palestinian Girl, 1995 |
Não é necessário que tenhamos uma longa educação em ambientes de terror para que o medo se torne parte da nossa natureza. Basta que a ocasião se apresente, logo se apaga tudo o que o negava esse medo e uma linguagem mais arcaica tome conta do coração e invada cada célula do corpo.
quinta-feira, 12 de março de 2020
Histórias sem nexo 5. Os doidos
terça-feira, 10 de março de 2020
Diálogos morais 34. O guerreiro
Alfred Eisenstadt, Soldier says goodbye at Penn Station, New York, 1944 |
- Não te preocupes, não morrerei.
- Como sabes, a guerra...
- Eu fui feito para a guerra.
- E isso protege-te de quê?
- Como uma mãe, também a guerra protege os seus.
- Não brinques.
- Falo a sério. Sem eles o que seria dela?
domingo, 8 de março de 2020
Meditação Breve (122) Desabrigo
sexta-feira, 6 de março de 2020
A Sarça Ardente - 12
quarta-feira, 4 de março de 2020
Histórias sem nexo 4. O urbanista
Wassily Kandinsky, Amarelo-Vermelho-Azul, 1925 |
Hugo, o urbanista, ululava à saída do útero de Ursulina, a
mãe. Urgente, urgente. Cortem-lhe as unhas, urgia, o dr. Humberto. Tratem-lhe
da urticária, apliquem-lhe o unguento, vejam-lhe a urina, a ureia, a uretra.
Ufff, urrou o Hugo sem urbanidade, que urso tão urceolado.
segunda-feira, 2 de março de 2020
Meditação Breve (121) Passagens
sábado, 29 de fevereiro de 2020
Haikai do Viandante (388)
quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020
Gatos velhos
James Van Der Zee, Smart Cat, 1931 |
Não foi tão difícil quanto pode pensar. Também me
surpreendi, mas só uma crença ingénua na uniformidade da natureza pode achar
acontecimentos destes um milagre. Não são, pois muitos são os caminhos que as
coisas podem tomar. Formei o projecto dois meses depois de terem chegado cá a
casa. Quando estava a ler, eles ficavam a olhar para mim, não miavam nem me
interrompiam. Um dia tentei ensinar-lhes o alfabeto. O difícil foi descobrir o
método. Descoberto este, facilmente aprenderam a ler. É o que vê, preferem
policiais e clássicos ingleses da época vitoriana. A poesia não os tenta e
dispensam o ensaio. Os óculos? Sem eles já não distinguem as letras. Os gatos
também envelhecem.
terça-feira, 25 de fevereiro de 2020
A Sarça Ardente - 11
Francisco Arjona, Composición III, 1984 |
Uma sombra
de água
arde-te no âmbar
das mãos.
O fruto do Inverno
desce ao sol
a encosta
madura da manhã.
Tudo se exalta
na recordação
do rumor
do desejo.
Janeiro de 2020
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domingo, 23 de fevereiro de 2020
Histórias sem nexo 3. O arqueólogo
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020
A mulher de sonho
Vicente Vela, Bodegón del ensueño, 1991 |
Quer que lhe fale da minha mulher. Será relevante para a
terapia, presumo. Nunca a compreendi e nunca soube por que casei com ela.
Talvez quisesse fechar esse assunto. Ela vivia nos seus sonhos. Não estou a ser
alusivo. A vida de cada dia era o prolongamento do sonho que tivera durante a
noite. Havia épocas de grande monotonia, pois todas as noites ela tinha o mesmo
sonho. Tanto quanto percebi, pelo seu comportamento em estado de vigília,
os sonhos tinham uma lógica incompreensível. Ignoro por que não enlouqueci. O
que lhe aconteceu? Uma tarde, depois de almoço, disse vou dormir um pouco.
Entrou então num dos seus sonhos mais recorrentes e desapareceu. Não a voltei a
ver.
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020
Diálogos morais 33. Loucos
Imogen Cunningham, Cemetery in France, 1961 |
- Também eu.
- Não. Tu estás morta e os mortos não enlouquecem.
- Não?
- Os vivos, sim. Começam a falar com os mortos.
- E isso é sinal de loucura?
- Sim, os mortos não existem.
- Então também eu enlouqueci.
- Não é possível, estás morta.
- Estou, mas falo com um vivo e aqui os vivos não existem.
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