Giovanni Toscani - L'Incrédulité de saint Thomas
Naquele tempo, Jesus saiu da
Samaria e foi para a Galileia. Ele mesmo tinha declarado que um profeta não é
estimado na sua própria terra. No entanto, quando chegou à Galileia, os
galileus receberam-no bem, por terem visto o que fizera em Jerusalém durante a
festa; pois eles também tinham ido à festa. Veio, pois, novamente a Caná da
Galileia, onde tinha convertido a água em vinho. Ora havia em Cafarnaum um
funcionário real que tinha o filho doente. Quando ouviu dizer que Jesus vinha
da Judeia para a Galileia, foi ter com Ele e pediu-lhe que descesse até lá para
lhe curar o filho, que estava a morrer. Então Jesus disse-lhe: «Se não virdes
sinais extraordinários e prodígios, não acreditais.» Respondeu-lhe o funcionário
real: «Senhor, desce até lá, antes que o meu filho morra.» Disse-lhe Jesus:
«Vai, que o teu filho está salvo.» O homem acreditou nas palavras que Jesus lhe
disse e pôs-se a caminho. Enquanto ia descendo, os criados vieram ao seu
encontro, dizendo: «O teu filho está salvo.» Perguntou-lhes, então, a que horas
ele se tinha sentido melhor. Responderam: «A febre deixou-o há pouco, depois do
meio-dia.» O pai viu, então, que tinha sido exactamente àquela hora que Jesus
lhe dissera: «O teu filho está salvo». E acreditou ele e todos os da sua casa. Jesus
realizou este segundo sinal miraculoso ao ir da Judeia para a Galileia. (João 4,43-54) [Comentário de Anastácio
de Antioquia aqui]
O que significam esses sinais extraordinários
e prodígios? Objectivamente,
podem sobre eles ser dadas diversas explicações. Uma explicação negativa,
afirmando que não existem, que a legislação que rege a natureza não permite tal
tipo de fenómenos. As explicações positivas têm um espectro mais alargado. Uma
primeira dirá que a natureza não se rege por leis deterministas, que estas não
passam de um hábito psicológico, como o pensou David Hume, fundado na
constância dos fenómenos e na expectativa das pessoas, e por isso é possível
que certas acções interfiram no curso do mundo que o hábito nos faz pensar como
pré-determinado. Uma segunda dirá que o nosso estado do conhecimento é ainda
incipiente e que estes prodígios, não sendo falsificações da realidade,
poderão, mais tarde ou mais cedo, ser cientificamente explicados. Por fim, uma
terceira explicação dirá que há uma legislação determinada da natureza ou, pelo
menos, um curso regular dos acontecimentos e que, em certas ocasiões, por
intervenção divina podem ser suspensos para, de imediato, retornar às suas
formas habituais.
O texto contudo não abre tanto para uma discussão sobre os milagres
mas para as condições subjectivas da fé. O que é, de facto, questionado é a
necessidade de fundamentar a fé numa evidência dada pelo prodígio. Isto
significa, em primeiro lugar, que existia um cepticismo crítico e
racionalizante, o qual obstruía a crença. Em segundo lugar, porém e ao
contrário dos dias de hoje, esse cepticismo não é encarado como sendo o natural
do espírito humano. As palavras proferidas por Cristo – Se não virdes sinais extraordinários e prodígios, não acreditais –
são ditas em tom de censura, como se a essência do próprio espírito fosse o
assentimento espontâneo e imediato à Verdade que se revelava.
O texto de João abre assim para uma reflexão sobre a evidência da fé
e, como corolário, sobre a perda dessa evidência. Essa perda, porém, não
significa que alguma coisa se tivesse alterado radicalmente no curso da
história humana, como se houvesse um momento histórico em que o conteúdo da fé
fosse transparente a uma consciência mais ou menos inocente. Subjacente ao
texto parece estar antes uma outra perspectiva. Em cada homem, a natureza mais
íntima do seu espírito conduzi-lo-ia a uma fé que não necessitaria de
evidências exteriores, de prodígios e de sinais extraordinários. Essa
intimidade consigo mesmo perde-se ou nunca se chega a alcançar e, movido pela
perda, o homem torna-se céptico e necessita de sinais exteriores.