terça-feira, 10 de abril de 2012

Haikai do Viandante (64)

Van Gogh - L'Allée des Alyscamps

são chamas no céu
verão de fogo inverno
breve fogaréu


segunda-feira, 9 de abril de 2012

Haikai do Viandante (63)


Sobre o rio uma árvore
e um homem na água preso:
estátua de mármore.

domingo, 8 de abril de 2012

Ressurreição


Começar mais uma vez? Recomeçar? Uma ressurreição que seja uma retorno ao começo não é uma ressurreição, mas o eterno retorno do idêntico. O que haverá no mistério da ressurreição de Cristo que prenda ainda a fé dos homens? Sim, certamente, a promessa da vitória contra a morte, a ideia de uma vida eterna, a expectativa de um além onde não haja condenação ao nada eterno, tudo isso é atraente, tudo isso fixa a imaginação popular, e dá-lhe um suporte intuitivo para a fé. Será, porém, isso que está em jogo? Melhor, será apenas isso que se jogo no mistério da ressurreição de Cristo? 

Se for apenas isso, então é uma espécie de desafio para que se protele a vida nova, que se adie para depois da morte a ressurreição. A ressurreição crística, todavia, é um desafio a nós que estamos mortos e não o sabemos. A nossa morte não é a mera morte zoológica ou biológica, mas a morte em que mergulhamos na vida biológica, nessa preocupação excessiva com a nossa animalidade. A ressurreição de Cristo é o chamamento para uma vida plena aqui e agora. A morte de Cristo não é uma morte metafísica, puramente simbólica, mas uma morte no aqui e agora da História da humanidade. 

A historicidade dessa morte (mesmo que essa historicidade seja apenas uma mera crença não justificada) é o indício que nos evidencia que a ressurreição é aqui e agora, a ressurreição da nossa vida diminuída e diminuta, da nossa vida mesquinha e sem sentido. Ressurreição não é um mero facto. É um desafio que é lançado ao homem vivo, para que na vida, em cada um dos seus instantes, triunfe sobre a morte. Não se trata de retornar ao mesmo, ao idêntico, à pura biologia, mas de se diferenciar, tornar-se outro, tornar-se naquilo que se é, resolver o mistério da sua própria existência.

sábado, 7 de abril de 2012

Poemas do Viandante (259)


259.  MANET, CRISTO MUERTO Y DOS ÁNGELES

desprendido
dos cuidados do dia
o corpo entregue
à paz do sepulcro
um abismo de trevas
na voz do anjo

de respiração suspensa
espera a hora
em que não haverá hora
a luz iluminada
do mundo 
um traço de agonia
na cal da madrugada

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Poemas do Viandante (258)

Manet - Cristo escarnecido por los soldados

258. MANET, CRISTO ESCARNECIDO POR LOS SOLDADOS

a luz mais pura
sob a noite

frágil
na solidão

ferida
na dolorosa dor

aberta para 
o mar da criação

Arvo Pärt, St. John Passion


Passio Domini nostri Jesu Christi secundum Joannem

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Haikai do Viandante (62)


cai branca a neve
frágil musgo linho ou seda
veludo tão leve

Poemas do Viandante (257)

Monet - Springtime

257. MONET, SPRINGTIME

a breve ventura
desliza

sombra
promessa
campos verdes

e o amor
sempre regressa

quarta-feira, 4 de abril de 2012

A experiência da Verdade

Kiss of Judas Iscariot, anonymus of the 12th century, Uffizi Gallery, Florence


O Filho do Homem segue o seu caminho, como está escrito acerca dele; mas ai daquele por quem o Filho do Homem vai ser entregue. Seria melhor para esse homem não ter nascido. (Mt 26:24)

Esta passagem do Evangelho de Mateus coloca um problema de difícil solução, a aporia do livre-arbítrio. A escritura determina o caminho do Filho do Homem, o seu destino: o ser entregue. Esta determinação choca com a pressuposição do livre-arbítrio daquele que O vai entregar. A pena, em forma de ameaça, subjacente à frase "Seria melhor para esse homem não ter nascido" só é compreensível no âmbito da liberdade da vontade. Como conjugar a determinação do destino de Cristo com o livre-arbítrio de Judas Iscariotes? Se este fosse efectivamente livre a entrega do Filho do Homem era meramente ocasional, dependente da liberdade da vontade de Judas. A salvação seria meramente contingente e não decorreria de uma necessidade lógica da história da salvação.

O problema surge da tentativa de interpretar racionalmente o versículo, de submetê-lo à lógica apofântica, onde os juízos devem obedecer aos princípios lógicos da identidade e da não-contradição. O horizonte do nosso entendimento permite perceber a indeterminação quântica, o determinismo presente na física clássica e o livre-arbítrio do agir humano. Estes três estratos do real não são, para o nosso entendimento, incompatíveis. A grande dificuldade sentida reside na compatibilização da sobredeterminação providencial (aquela que determina, segundo a escritura, a entrega do Filho do Homem) e a liberdade humana.

Se dermos um passo para fora da tradição ocidental talvez possamos encontrar um caminho de resposta. Para o Budismo-Zen um koan é uma pequena narrativa ou, mesmo, uma simples questão que, à luz da razão, é impossível de compreender. A resposta racional é sintoma de uma mente não iluminada. Os koans são dados, pelos mestres, aos discípulos como caminho de meditação cuja finalidade é a iluminação. A verdade não é dada pela razão mas pelo transcender dos limites desta. Ora o versículo de Mateus constitui um verdadeiro koan. Isto não significa qualquer tipo de influência de uma tradição sobre a outra. Significa apenas que há algo no cristianismo que não se dirige à nossa razão, a não ser de forma secundária. Esse algo apresenta-se como um caminho de meditação. Esta não significa encontrar uma explicação racional para a aporia, mas fazer a experiência da verdade que ali se revela e, ao mesmo tempo, se oculta. A verdade de Cristo e do cristianismo será menos a verdade de proposições lógicas e mais a verdade de uma experiência existencial. Não disse Ele que era a verdade, a via e a vida?

terça-feira, 3 de abril de 2012

Poemas do Viandante (256)

Monet - La Plage à Sainte Adresse

256. MONET, LA PLAGE À SAINTE ADRESSE

a melancolia
dos dias de praia
solidão partilhada

nuvens e cinza
no desejo desejado

o teu corpo arde
barco solitário
na areia da tarde

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Pobres sempre os tendes

encontrado aqui

De facto, os pobres sempre os tendes convosco, mas a Mim não me tendes sempre (Jo 12:8).

Tratará este versículo do Evangelho de João da facticidade da pobreza? Estaria Jesus a informar os circunstantes acerca das ilusões existentes nas futuras, embora ainda muito longínquas, políticas sociais de erradicação da pobreza? Estaria a reafirmar como inelutável - uma espécie de condenação ontológica - a pobreza entre os homens. Se assim fosse, estar-se-ia a reduzir os textos evangélicos a uma espécie de manual de sociologia e de ideologia política. Não é nestes jogos de linguagem, para utilizar a expressão de Wittgenstein, que as palavras evangélicas se devem integrar e ler.

Se as colocarmos no âmbito da sotereologia, no jogo de linguagem da salvação, elas terão uma leitura mais pertinente e adequada. Podemos ousar ler o versículo da seguinte maneira: cada um de nós terá sempre em si os pobres, aquilo que é ontologicamente diminuído, aquilo é eternamente um ser e um não ser, uma existência precária e efémera. Os pobres não nos são exteriores, não são pobres sociais, gente sem bens materiais, mas aquilo que em nós nos desvia de algo mais essencial, da riqueza imperecível e eterna. Os pobres em nós podem inclusive ser as riquezas materiais, os bens intelectuais, a glória vinda da honra e da fama. Os pobres são as nossas múltiplas inclinações para o efémero, o inconsistente, a ilusão.

Esse que nem sempre temos também não é alguém exterior, mas o que está no mais fundo de nós. Mas esse «a Mim não me tendes sempre» não é o prenúncio da morte de Jesus? Sim. Mas o texto evangélico não é apenas - ou não é essencialmente - uma narrativa de factos históricos. Aquele que não temos sempre é, paradoxalmente, O que está sempre no mais fundo de nós mesmos, O que a nossa preocupação com os pobres - no sentido acima referido - nos faz perder constantemente. A semântica  do versículo joga-se nessa tensão entre pobres e Mim, entre a pobreza da nossa materialidade e a riqueza do espírito que nos habita. Não, por acaso, o contexto evangélico (Jo 12: 1-11) contrapõe o dinheiro para os pobres e o dinheiro gasto em perfume, com que Maria perfumou o Senhor. A nossa riqueza, isto é, a nossa atenção e o nosso cuidado deve ser dado ao Espírito que é a verdade mais funda que exista em cada ser humano.

domingo, 1 de abril de 2012

Haikai do Viandante (61)


a chuva chegou
lenta ave de primavera
e a terra cantou

sábado, 31 de março de 2012

Haikai do Viandante (60)


da árvore um ramo
cai breve como um relâmpago
nessas mãos que amo

sexta-feira, 30 de março de 2012

Poemas do Viandante (255)

Cézanne - Le lac d'Annecy

255. CÉZANNE, LE LAC D'ANNECY

águas sagradas
uma árvore
uma casa
o lodo
na sombra da montanha

se chega uma metáfora
ou um corvo rasga
a noite
espero tranquilo
o barqueiro

virá
o enviado de orfeu
cantar na sombra
a luz presa
na madrugada

quinta-feira, 29 de março de 2012

De Abraão a Jesus - uma viagem

Caravaggio - Il Sacrificio di Isacco

Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: antes que Abraão fosse, Eu sou!» (Jo 8, 58)

Podemos começar a hermenêutica deste versículo do Evangelho de João sublinhando a natureza intercomunicacional que o sustenta. Jesus fala com outros homens, judeus no caso. O facto de serem judeus apenas é relevante devido à presença da figura de Abraão, o pai dos judeus. Todavia, os judeus são uma espécie de sinédoque da humanidade, na qual se toma a parte pelo todo. Jesus fala a todos os homens. Como se pode sustentar tal ponto de vista? A partir do próprio versículo. Se desviarmos o olhar do destinatário, os judeus, para o lugar de onde Jesus fala, tudo se torna mais claro. De onde fala, então Jesus, qual o topos de onde profere o seu discurso? Fala na e a partir da verdade (Em verdade, em verdade vos digo). O discurso é feito a partir do universal, de um universal que se dirige a alguns particulares, os judeus do Templo, mas que, nesse processo de particularização no espaço e no tempo, não deixa de ser universal. Por isso, ele dirige-se a todos os seres humanos.

Poder-se-á objectar que Abraão não é o pai de todos os povos, mas apenas dos judeus, por via de Isaac, e dos descendentes do seu filho bastardo, Ismael. O discurso de Jesus seria apenas um discurso particular, um assunto privado dos povos semitas. Mas se considerarmos Abraão como uma sinédoque que refere uma parte, neste caso constituída apenas por um exemplar, do todo composto pelos múltiplos fundadores - pais - de povos, a objecção perde sentido. Jesus fala a partir da universalidade da verdade para a universalidade da espécie humana. O seu discurso não é étnico mas universal. 

E o que diz este discurso? Contrapõe o presente a um pretérito. Jesus, que na historicidade da vida do povo onde nasceu veio depois de Abraão, é anterior ao próprio Abraão, o que significa que é anterior a todos os povos, à própria espécie humana. Mas o discurso, o logos, de Jesus é mais complexo. Ele diz-nos não só que é anterior a Abraão, mas que é ao mesmo tempo anterior, posterior e contemporâneo de Abraão, isto é, de cada um de nós. O "Eu sou" de Jesus não se refere a uma ekstase temporal, ao presente, mas a um presente absoluto, a uma presença que está para além das ekstases temporais do passado, presente e futuro. 

O texto de João é a convocação de todos os seres humanos para a viagem, aquela que vai do tempo para fora do tempo, que vai de Abraão para Cristo, que vai da situação aqui e agora para o não-lugar e não-tempo da presença absoluta do Eu sou. Esta viagem tem uma natureza universal e, ao mesmo tempo, particular. Universal porque o fim da viagem é o "Eu sou" crístico; particular, porque cada um, à luz de Abraão, parte da sua situação histórica. Uma viagem da história para fora dela.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Haikai do Viandante (59)

Kawase Hasui

lua em céu feroz
ilumina mar e terra
rio sombra ou foz

terça-feira, 27 de março de 2012

Do desprezo de si e do ódio à vida (II)


No texto anterior, um comentário a Jo 12,25, acabou-se por contrastar duas traduções do mesmo versículo. A questão que ressaltava era se o caminho para a eternidade seria a do desprezo de si, o desprezo de uma identidade tida como ilusória, ou se o ódio à vida, uma vida da qual não somos autores. A identidade empírica, à qual damos tanta importância na vida quotidiana, pode ser não levada em consideração, pois considerá-la seria solidificar aquilo que é um mero construto, um artefacto ou um dispositivo de produção de uma subjectividade. Como todos os dispositivos, artefactos ou construtos, a subjectividade - a identidade do ego - é perecível. Ela só pode existir no espaço e no tempo, e neles deve perecer. Entrar na vida eterna - nesse além do espaço e do tempo - exige assim que o si (self) se dispa de si (ego), enquanto este si for a máscara construída de uma subjectividade mundana.

A outra tradução, a qual dissemos ser complementar da primeira, é de exegese mais difícil. O caminho para a eternidade passa não pelo desprezo de si mas pelo ódio à sua vida.  Devemos odiar a vida que nos foi dada, a vida biológica, a qual inclui a vida social, para entrarmos na eternidade. O problema centra-se na interpretação do termo ódio. Este deve ser interpretado no seio do par amor - ódio. Se se considerar este par como constituído por dois contrários, então o ódio não pode ser uma via de acesso à eternidade. Se, porém, for interpretado no âmbito da filosofia cristã, o ódio não passa de um amor diminuído, de um amor no grau mais baixo da escala amorosa. Odiar a sua vida não significa o contrário do amor, mas de um não considerá-la, não tê-la em atenção, um não ocupar-se dela, para se ocupar com aquilo que da eternidade chama por nós, que apela ao caminho do viandante, à peregrinação do peregrino.


segunda-feira, 26 de março de 2012

Poemas do Viandante (254)

Sisley - Provencher's Mill at Moret


254. SISLEY, PROVENCHER'S MILL AT MORET

naquele moinho
castelo sobre as águas
nasce das mós
o pólen
que traz a primavera

flores brancas
ressoam nos caminhos
e no rosmaninho solar cresce 
o fulgor da sombra
pálida figura
do teu corpo perdido
no horizonte

domingo, 25 de março de 2012

Do desprezo de si e do ódio à vida


Santo Agostinho

Quem se ama a si mesmo, perde-se; quem se despreza a si mesmo, neste mundo, assegura para si a vida eterna (Jo 12,25).

Este versículo do Evangelho de João é composto por dois pares de contrários. O amor de si e o desprezo de si, por um lado; este mundo e a vida eterna, por outro. Esta tradução sublinha, através do si (self) uma conexão com a questão da identidade. Poder-se-ia entender a identidade como uma construção social, uma máscara com que nos apresentamos no mundo, nesse espaço-tempo - um verdadeiro cenário - onde representamos um conjunto de papéis. A palavra de João diria, então, que aquele que se confunde com a sua máscara social fica preso no espaço e no tempo e não acede aquilo que está para lá de todo o espaço e de todo o tempo, a eternidade.

A questão, porém, toma outra coloração se escolhermos outra tradução:

Quem ama a sua vida perdê-la-á, e quem neste mundo odeia a sua vida, guarda-la-á para a vida eterna (Jo 12,25).

Esta tradução acentua não o foco identitário e social mas a dimensão biológica. Mas esta dimensão biológica é apenas o primeiro momento. Amar a vida biológica - talvez por extensão a vida social - acabará por a perder, coisa que acontece a todas as vidas no sentido biológico. Mas o ódio, no espaço e no tempo mundanos, a essa mesma vida limitada (a do bios e a do socius) é o princípio de uma transmutação da própria vida que lhe permite tornar-se eterna, isto é, deixar de ser uma mera vida biológica ou mesmo social.

As duas traduções acabam por salientar aspectos diferentes, embora complementares, do caminho para a eternidade. Mas para o leitor que não domina a língua original e o ambiente semântico onde foi produzido o Evangelho de João aquilo que se torna mais problemático está noutro lado. Desprezo de si ou ódio à sua vida? Qual é o caminho para a eternidade? Uma coisa é o desprezo de uma identidade falsa e ilusória. Outra, o ódio a uma vida da qual não somos autores. [Retomar-se-á esta questão numa das próximas postagens.]

sábado, 24 de março de 2012

Haikai do Viandante (58)


pássaro no ramo
um traço de azul poisado
canta todo o ano

quinta-feira, 22 de março de 2012

Poemas do Viandante (253)

Pissaro- Norwood

253. PISSARO, NORWOOD

a aldeia que te deixou
casas e fumo
a árvore despida
traços de neve
na glória do inverno

do tempo que passou
não vale a pena 
a queixa
nem a memória presa
aos restos da tarde

segue estrada fora
o mundo espera-te 
sonho transfigurado
fumo neve fria
eterno estio por vir

quarta-feira, 21 de março de 2012

Haikai do Viandante (57)


montanha sagrada
sobre as águas e as terras
um traço de nada

Poemas do Viandante (252)

Monet - Impression

252 - MONET, IMPRESSION

algures habita o que esperamos
o barqueiro de remo decidido
aproxima-se da margem
olhos presos na água
e no coração a voz
de quem por ele chama

sábado, 17 de março de 2012

Haikai do Viandante (56)


noite, luz, estrelas,
no jardim me sento para
na escuridão vê-las

sexta-feira, 16 de março de 2012

Poemas do Viandante (251)

Sisley - Les petits prés au printemps

251. SISLEY, LES PETITS PRÉS AU PRINTEMPS

pequenos prados
trazidos pela luz
restos de água
testemunhas de verde
a dançar sob os pés

o tempo ávido
chama por ti

caminhas leve
e absorta
pisas a erva
a memória vazia
algum amor para sempre
perdido

quarta-feira, 14 de março de 2012

Haikai do Viandante (55)

daqui

um sol amarelo
irrompe sobre o arvoredo
violento e belo

terça-feira, 13 de março de 2012

Poemas do Viandante (250)

Degas - Woman Combing her Hair

 250. DEGAS, WOMAN COMBING HER HAIR

o dia chegou
e o corpo renascido
poisa tranquilo
na orla da manhã

os cabelos
floresta de cobre
acordam sonâmbulos
no gesto vazio
preso em tua mão

domingo, 11 de março de 2012

Haikai do Viandante (54)


velha cerejeira,
onde o corvo poisado
lembra uma bandeira.

sábado, 10 de março de 2012

Poemas do Viandante (249)

Pissarro - Boulevard de Montmartre

249. PISSARRO, BOULEVARD DE MONTMARTRE

luz noite a traz 
incenso para o céu
cai sobre a terra
abre cavernas 
escuridão na avenida

e tu passas
rasto de fulgor
árvore sem ramos
presa na luz -
sombra pura e delida


sexta-feira, 9 de março de 2012

Meditação

Caravaggio - S. Jerónimo em meditação

A meditação é muitas vezes compreendida como rememoração e retorno a si. Mas se ela for apenas isto, não passará de mero solipsismo mesclado com o mais puro exercício narcísico. Voltar a si, à sua interioridade, não é voltar-se para um espelho onde o ego se contempla a si e se compraz nessa contemplação. Meditar é, fundamentalmente, perder-se não em si mas de si. Este perder-se é um mergulhar no vazio e, ao mesmo tempo, um tornar-se vazio, para que algo que nos transcende absolutamente possa vir e demorar-se aí como se estivesse em sua casa. Meditar é tornar vazia a casa do Senhor. Mas meditar é também um ir e estar no mundo, uma presença constante onde se dá testemunho dessa Outra presença que nos permite estar presentes. Medito ao escrever isto, medito quando faço um poema, medito quando falo com alguém ou caminho na rua, medito nas grandes acções e nos pequenos actos. Talvez a meditação não seja algo que nós fazemos, mas o modo como habitamos neste mundo, o modo como existimos. Meditar é a própria essência da existência humana.