quarta-feira, 22 de abril de 2015

Levado pelo vento

Darío de Regoyos y Valdés - Una calle de Córdoba

Uma rua que de súbito se fecha e se torna em mistério. São assim os caminhos do viandante, ir por ruas que se fecham num enigma. Penetrar no mistério que se abre como uma avenida. Assim caminha, de mistério em mistério, de rua em rua, levado pelo vento que sopra onde quer.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Da viagem e da errância

Ferdinand Hodler - Ahasver, el judío errante (1910)

Distinguimos claramente viagem e errância. Na viagem, o viandante desloca-se de um lugar para outro, o ponto de partida e o ponto de chegada estão claramente definidos.Na errância, o vagabundo não tem destino, erra por aqui e por ali ao acaso. A clareza desta distinção, porém, é o sintoma da sua fragilidade. A errância é parte integrante da viagem. Quantas vezes aquele que julga saber de onde vem e para onde vai é um verdadeiro vagabundo? Quantas vezes o vagabundo descobre que partiu de um lugar e que um outro o espera? A isto poderíamos chamar uma meditação sobre o pecado.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Mapas e territórios

Frantisek Kupka - Arquitectura filosófica (1913-1923)

Quando ouvimos falar de arquitectura filosófica pensamos de imediato numa densa rede de conceitos organizada e sistemática. Como é que o viandante lida com tal dispositivo intelectual? Ficará seduzido e pensará que a sua viagem é produzir ideias? Esse é um perigo. Contudo não se devem rejeitar essas redes de conceitos. São mapas para a viagem. Indicam o caminho do espírito mas não são a própria vida do espírito. Quem, na plena posse da sua razão, confundirá mapas com o territórios?

domingo, 19 de abril de 2015

A janela aberta

Pierre Bonnard - La fenêtre ouverte (1921)

Tudo na vida dos homens tem o poder de se tornar símbolo de alguma coisa que o ultrapassa. Uma janela aberta não é apenas uma janela aberta mas o símbolo metafísico de uma abertura para a transcendência. A janela é a abertura simbólica que permite ao viandante transitar da imanência à transcendência, aventurando-se no além com todos os perigos e todas as promessas  que esse além contém.

sábado, 18 de abril de 2015

Um jubiloso amanhecer

Albert Dubois-Pillet - The Marne River at Dawn (1888)

Quando a luz rompe as trevas - nessa hora jubilosa do amanhecer - tudo parece ainda possível. O corpo e o espírito sentem-se tocados por uma promessa e a alma regurgita de energia. Mas tudo começa logo a decair, como se a promessa fosse esquecida e o ânimo se dispersasse nas horas que passam. Chega então o tempo em que o viandante se deve superar e esperar a graça que o fará continuar na viagem, como se cada hora fosse ainda e sempre um jubiloso amanhecer.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

O homem livre

Felix Vallotton - The Wind (1910)

O vento sopra onde quer; ouves-lhe o ruído, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim acontece com aquele que nasceu do Espírito.  (João 3:8)

Nunca deixa de me espantar a visão da liberdade trazida por João. A liberdade do espírito é analogada ao vento e este é visto como possuindo uma vontade que determina onde soprar. O homem perfeitamente livre - aquele que nasceu do espírito - não apenas possui uma vontade livre, mas move-se numa outra dimensão que não a da necessidade, a dimensão que cabe aos homens que apenas nasceram da carne. Move-se de e para onde toda a necessidade cessou. 

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Haikai do Viandante (229)

Meyer Schapiro - Abstraction (1963)

mundos de carvão
abrem-se na primavera
luz que te espera

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Do bárbaro e do civilizado

Alejandro Xul Solar - Bárbaros (1926)

Habituámo-nos, devido a uma longa tradição, a pensar o bárbaro por oposição ao civilizado. E o civilizado é aquele que possui a virtude da racionalidade cívica. Se olharmos, porém, com atenção para essa racionalidade cívica em acção descobrimos de imediato quanto ela é bárbara, destituída de espírito, fundada na alienação de si mesmo ou na redução à máscara com que escondemos a nossa impotência para responder à voz que nos chama.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Paisagens desconhecidas

Jean Metzinger - Landscape (1904)

O estranho silêncio das paisagens desconhecidas abre-se perante o espanto do viandante. E ele não sabe o que mais admirar, se a novidade com que os seus olhos se deparam ou se o silêncio com que é recebido. E assim penetra no desconhecido à espera de um sinal que lhe indique o caminho ou de uma voz que o chame.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Do abandono de si

Roberto Matta - Uma situação grave (1946)

Nas mais graves situações o nosso impulso é agarrarmo-nos a nós mesmos e mobilizar, no sentido militar do termo, todas as nossas forças para enfrentarmos o inimigo que nos assedia. Mas haverá um outro caminho, aquele em nos soltamos e abandonamos completamente e nos entregamos à Vontade que nos ultrapassa e que, perante o abandono da nossa, quererá em nós.